O que está por trás das manifestações inéditas em Israel?

Proposta de reforma judicial deixa em protesto sectores alargados da economia e sociedade de Israel.

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Protestos contra a reforma judicial em Jerusalém Reuters/AMMAR AWAD

As medidas que provocaram os maiores protestos de que há memória no Estado de Israel são chamadas como “reforma judicial” pelo Governo ou “golpe judicial” por alguns meios de comunicação social e pela oposição, porque afectam o equilíbrio democrático em Israel.

O que é a “reforma judicial” ou o “golpe judicial”?

O Governo de Israel, que junta partidos nacionalistas de extrema-direita ao conservador Likud e aos partidos ultra-ortodoxos, propôs várias medidas que alteram o sistema judicial.

Uma é uma mudança no modo como são escolhidos os juízes do Supremo — deixariam de ser escolhidos por uma comissão mista de nove membros, incluindo três juízes, dois representantes dos advogados e quatro políticos, e passariam a ser nomeados apenas pelo Governo.

Outra é o fim de o poder do Supremo declarar leis como não conformes com as leis básicas de Israel, que funcionam como uma espécie de lei fundamental, já que o país não tem uma constituição. O Parlamento poderia ultrapassar, por uma votação com maioria simples (61 em 120 deputados), uma revogação de uma lei pelo Supremo.

Há alguma relação com o processo contra Benjamin Netanyahu?

Sim e não. Uma mudança no equilíbrio de poder é há muito defendida por vários partidos em Israel – uma proposta de uma ministra da Justiça de outra coligação de Netanyahu, Ayelet Shaked, levou a um anúncio eleitoral de um perfume “fascismo” (como os críticos apelidavam a sua proposta de reforma). Há um sector que vê o tribunal como demasiado liberal e “hiperactivista”.

Mas Benjamin Netanyahu, que protagoniza a situação inédita de ser um chefe de Governo em funções acusado por crimes graves como corrupção, assinou um acordo prometendo não interferir com o sistema judicial quando assumisse o cargo.

Apesar disso, o Parlamento aprovou, na semana passada, uma lei que acaba com a possibilidade de um primeiro-ministro ser afastado pelo poder judicial. Apenas uma maioria de ministros do Governo poderia fazê-lo, declarando-o inapto por motivos físicos ou psicológicos (ou a própria pessoa que ocupa o cargo).

Quem se sente em perigo com estas alterações?

As alterações são vistas como o fim de uma protecção que o Supremo tem dado a grupos com menos poder, como mulheres e minorias. Decisões do Supremo têm obrigado governos a avanços, por exemplo em termos de presença de mulheres nas Forças de Defesa de Israel (IDF, como são chamadas as Forças Armadas) ou de direitos a pessoas que procuram asilo ou imigrantes em Israel, não tendo permitido, por exemplo, a aprovação de leis para repatriar imigrantes irregulares que foram propostas, várias vezes, pelo Governo em 2015/16.

Quem mais está contra?

A reforma conseguiu juntar uma grande diversidade de sectores na oposição. Como arrisca ser um problema para a democracia, tem consequências para os negócios, e uma série de investidores retiraram capital do país, a moeda desvalorizou e a bolsa foi afectada. Muitos reservistas também temem servir um regime que já não seja democrático, num país que depende muito dos militares na reserva para a sua defesa, e avisaram os seus comandantes que não se apresentariam ao serviço.

E fora de Israel os Estados Unidos, que são maior aliado internacional do país, tem alertado para medidas que possam afectar a democracia — com potenciais efeitos para apoio a acções, por exemplo, contra o Irão. Netanyahu tem ouvido, nas capitais que tem visitado, como Berlim ou Londres, preocupação dos chefes do Governo em relação aos seus planos.

Qual a dimensão do protesto?

O movimento de protesto, que dura há mais de dez semanas, intensificou-se depois do afastamento do ministro da Defesa por críticas à reforma. E que inclui de bancos a centros comerciais, universidades a escolas, a associação Startup Nation, o corpo diplomático ou ainda a Bolsa de Telavive. O aeroporto Ben Gurion estava parado, assim como os portos de Haifa e Ashdod. Sindicatos e empregadores aliaram-se na paralisação de hoje, que já está a ser classificada como “a maior da história de Israel”.

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