“A água está ameaçada. Estamos a drenar o sangue vital da humanidade”, avisa Guterres

Na Conferência da Água estão em foco questões como protecção dos aquíferos, combate à poluição, abastecimento de água potável e a integração das políticas hídricas com as políticas climáticas.

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secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, lembrou que a acção climática e um futuro hídrico sustentável "são dois lados da mesma moeda". Reuters/BRENDAN MCDERMID

As Nações Unidas vão tentar alcançar compromissos mundiais para uma transformação da forma como a água é gerida, durante a Conferência da Água 2023 que começa esta quarta-feira, Dia Mundial da Água, e é a primeira do género desde 1977. Na sessão de abertura, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, apelou a que os Governos garantam o acesso equitativo à água e recordou que a acção climática e um futuro hídrico sustentável "são dois lados da mesma moeda".

"A água está ameaçada. Estamos a drenar o sangue vital da humanidade através do consumo excessivo vampírico e uso insustentável e a evaporá-lo através do aquecimento global. Quebramos o ciclo da água, destruímos ecossistemas e contaminámos as águas subterrâneas", alertou o secretário-geral das Nações Unidas perante o plenário da Assembleia-Geral da ONU, em Nova Iorque.

A partir desta quarta-feira e até sexta-feira, na Conferência da Água, a primeira do género desde 1977, a ONU procurará alcançar compromissos de todo o mundo para uma transformação radical na forma como a água é gerida.

"Isto não é apenas uma conferência sobre a água", afirmou o secretário-geral das Nações Unidas. "É uma conferência sobre o mundo de hoje visto a partir da perspectiva do seu recurso mais importante. Esta conferência deve representar um salto quântico na capacidade dos Estados-Membros e da comunidade internacional de reconhecerem e agirem sobre a importância vital da água para o nosso mundo", disse.

Na abertura da Conferência da Água 2023, Guterres relembrou que quase três em cada quatro desastres naturais estão ligados à água; uma em cada quatro pessoas vive sem serviços de água geridos com segurança ou sem água potável; mais de 1700 milhões de pessoas carecem de saneamento básico; 500 milhões de pessoas defecam a céu aberto; e três milhões de mulheres e meninas caminham horas todos os dias à procura de água.

Quatro áreas para acelerar

Perante este cenário, António Guterres delineou quatro áreas para acelerar os resultados em relação à gestão hídrica: melhorar a gestão da água para garantir o acesso equitativo e a preservação dos recursos hídricos; investimento das instituições financeiras internacionais em sistemas de água e saneamento, dando apoio em particular aos países com mais necessidades; investimento em infra-estrutura resistente a desastres - "não conseguimos enfrentar esta emergência do século XXI com infra-estruturas de outra época" -, tanto na distribuição de água como no tratamento de águas residuais; e, por fim, optar por uma abordagem integrada que inclua a água, as alterações climáticas e a biodiversidade.

António Guterres apelou ainda para o trabalho entre países para uma gestão conjunta da água que atravesse fronteiras, exortando todos os Estados-Membros da ONU a aderirem e implementarem a Convenção da Água da ONU. "Uma das realizações de que mais me orgulho como primeiro-ministro de Portugal foi a assinatura da Convenção de Albufeira sobre a gestão da água com Espanha, há 25 anos. A Convenção ainda está em vigor hoje", recordou.

"A Conferência da Água de 2023 pode e deve ser um ponto de viragem", disse, numa apresentação da conferência da ONU, Henk Ovink, enviado especial para a Água dos Países Baixos, que juntamente com o Tajiquistão preside à reunião mundial em Nova Iorque, com o tema "Água para o Desenvolvimento Sustentável".

De acordo com informação divulgada pela ONU, pelo menos 12 chefes de Estado e de Governo, cerca de 80 ministros e altos funcionários governamentais e mais de 6500 representantes da sociedade civil deverão participar na conferência, que decorrerá até sexta-feira.

Sem pacto mas com compromisso

A última Conferência das Nações Unidas sobre a Água foi realizada em 1977 em Mar del Plata, na Argentina. Agora, 46 anos depois, o encontro pretende definir uma nova Agenda de Acção para a Água, no quadro dos Objectivos para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, especificamente no que diz respeito ao Objectivo 6, sobre água potável e saneamento. O enviado holandês enfatizou que o mundo não pode continuar a tratar a água como algo local ou regional, mas como uma questão global e "mudar radicalmente" a forma como ela é gerida.

Segundo a ONU, são urgentes compromissos e acções em áreas que vão desde a protecção dos aquíferos, o combate à poluição, o abastecimento de água potável ou a integração das políticas hídricas com as políticas climáticas. Ao contrário de outras conferências das Nações Unidas, na conferência da Água os países não irão negociar um grande acordo global, mas tentar alcançar compromissos voluntários concretos de Governos, empresas e outros atores.

Além das sessões plenárias, o encontro contará com diálogos sobre temas específicos como "Água e Saúde", "Água e Desenvolvimento Sustentável" ou "Água e Mudanças Climáticas" e cerca de 550 eventos paralelos, tanto no complexo da ONU quanto em outras zonas de Nova Iorque.

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