Palcos da semana: César, Dolo, faroleiros, Menina Mulher e um relatório final
Nos próximos dias, o Chapitô estreia Júlio César, Viseu lembra um crime, um filme mudo ganha música nova, Agnes Nunes regressa e Diogo Batáguas entretém(-se) em despedidas.
Ao Chapitô o que é de César
Com extensos pergaminhos na arte de bem “inadaptar” tragédias ao registo de comédia – Édipo, Macbeth, Hamlet, Antígona e Electra fazem parte do currículo – a Companhia do Chapitô reincide no método de desconstruir uma história clássica até ao tutano, para a devolver numa forma inesperada.
Na sua 39.ª criação colectiva, aposta na “desconsagração de outro ‘monstrohistórico’”: Júlio César. O resultado, mais uma vez minimalista em adereços e forte em piruetas no enredo, situa-se algures “entre a reconstituição histórica, o documentário e a paródia”, descrevem, “com todo o “des-rigor que já caracteriza a companhia”.
Esta reinvenção é encenada por José C. Garcia e Cláudia Nóvoa, e interpretada pelo trio de actores formado por Jorge Cruz, Pedro Diogo e Susana Nunes.
O regresso da Menina Mulher
Depois de ter estado por cá há um ano, ao embalo do álbum Menina Mulher, numa estreia adiada pela pandemia, a brasileira Agnes Nunes regressa para mais uma série de datas.
Adorada na internet, premiada q.b. e abençoada por Caetano Veloso, Seu Jorge e Elba Ramalho, a cantora e compositora baiana transporta o selo de uma das maiores revelações recentes da MPB, quando ainda nem fez 21 anos.
Na voz, traz um misto de candura e maturidade, que ora usa para expressar sentimentos pessoais, ora para homenagear gente que lhe importa (como a avó que inspirou a canção Terezinha), ora para amplificar questões como o empoderamento feminino, a luta contra o racismo e a sua intersecção. A abertura dos concertos é assegurada pela compatriota Mari Froes.
Fim de relatório
Durante quatro anos, os fãs do Relatório DB cumpriram o ritual de assistir no YouTube à revisão sarcástica dos acontecimentos do mês por Diogo Batáguas e seu olhar cirúrgico, descomplexado e atento às bizarrias da praça pública. Dezembro de 2022 foi a última vez. Ou quase.
O anúncio do fim veio acompanhado de outro: uma derradeira versão ao vivo, em duas datas entretanto duplicadas. Ao palco, com o humorista, sobem os cúmplices Luana do Bem e Sandro “cheio de fome” Garcia, e a promessa de “48 meses minuciosamente analisados, cuidadosamente resumidos, escrupulosamente escrutinados, intensamente escalpelizados”.
Música, faroleiros
Um drama com vista para o Bugio, um triângulo amoroso, um crime. E os créditos de espécime raro e ambicioso do cinema mudo português. Tudo isto já fazia d’Os Faroleiros uma obra especial. Agora, o filme ganha uma nova banda sonora, mais de um século após a estreia original, em 1922, e 30 anos passados da sua redescoberta no Porto, depois de ter sido dado como perdido.
As novas partituras para o filme de Maurice Mariaud (realizador que também entra como actor) são assinadas pelo compositor Daniel Moreira, por encomenda do Batalha Centro de Cinema. Quem as toca ao vivo nestes cineconcertos é um colectivo de referência internacional na interpretação de música de câmara contemporânea: o Arditti Quartet.
Memória real, Dolo teatral
“Toda a semelhança com a realidade não é pura ficção. Porque quem conta não desconta, mas amonta.” As palavras são de Jorge Fraga, o encenador que em Dolo se lança à memória colectiva que Viseu guarda do crime da Poça das Feiticeiras.
Aconteceu em 1925, quando João Alves Trindade, um abastado homem da cidade, foi assassinado. A filha e o genro foram condenados, mas as pontas soltas do processo levantaram (e continuam a levantar) dúvidas e mistérios.
A peça em estreia baseia-se num texto original que recorre “às declarações prestadas em julgamento, às memórias populares e à fabulação ficcional” para recriar as últimas horas de vida da vítima. Aos espectadores, posicionados em U, pede-se que assumam o seu lugar numa assembleia, quais jurados populares convocados a formar a sua própria opinião.