Proposta de lei na Carolina do Sul expõe mulheres que abortam à pena de morte

Segundo uma proposta de duas dezenas de congressistas republicanos, uma “criança por nascer” seria considerada “uma pessoa” e teria protecção legal contra o homicídio, punível com a pena de morte.

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Activistas antiaborto e a favor do direito à escolha numa manifestação em frente ao Supremo Tribunal dos EUA, no Verão de 2022 Reuters/EVELYN HOCKSTEIN

Duas dezenas de congressistas do Partido Republicano do estado norte-americano da Carolina do Sul apresentaram uma proposta de lei que, se fosse aprovada sem alterações, deixaria as mulheres que se submetem a um aborto — e os profissionais de saúde que os realizam — expostas a acusações de homicídio e a uma condenação a prisão perpétua ou à pena de morte.

A proposta, da autoria do congressista republicano Robert Harris — um ex-enfermeiro que foi eleito pela primeira vez em Novembro de 2022 —, prevê que as leis da Carolina do Sul sejam alteradas para que a definição de "pessoa" passe a incluir "uma criança por nascer em qualquer estágio de desenvolvimento", que dessa forma teria "igual protecção perante as leis que punem o homicídio".

As excepções previstas na proposta são os casos em que as mulheres e os profissionais de saúde consigam provar, em tribunal, que não era possível evitar um aborto numa situação de "morte iminente ou grave lesão corporal", não havendo excepções para vítimas de violação ou de incesto.

Na Carolina do Sul, uma pessoa que é considerada culpada de homicídio pode ser condenada a prisão perpétua ou à pena de morte, sendo que a sentença mínima é de 30 anos de prisão (ou prisão perpétua se a vítima tiver menos de 11 anos).

Devido aos problemas com o fornecimento das substâncias químicas necessárias para uma injecção letal, o método preferencial de execução na Carolina do Sul é a cadeira eléctrica, podendo ser substituído por um pelotão de fuzilamento a pedido do prisioneiro.

País dividido

A proposta em causa — a Lei de Igualdade na Protecção Pré-natal — está parada na Comissão de Assuntos Judiciais da Câmara dos Representantes da Carolina do Sul desde Janeiro, e dificilmente será aprovada devido à oposição da maioria dos congressistas republicanos e de todos os congressistas do Partido Democrata.

Nos últimos dias, na sequência de uma maior atenção dos media norte-americanos sobre a proposta, sete dos 21 congressistas que a assinaram num primeiro momento desvincularam-se da sua autoria.

Ainda assim, o facto de ter sido apresentada por mais de 20 dos 72 republicanos com assento na câmara baixa da Assembleia Geral da Carolina do Sul — e de ser apenas mais uma numa série de propostas semelhantes apresentadas pelo Partido Republicano em estados como o Texas, Kentucky, Oklahoma e Arcansas — é indicador de um extremar de posições em algumas franjas do movimento antiaborto nos Estados Unidos, tradicionalmente crítico da condenação das mulheres.

O cenário alterou-se depois de a actual maioria conservadora no Supremo Tribunal dos EUA ter decidido, no Verão de 2022, que a Constituição do país não protege especificamente o direito ao aborto, revertendo uma série de outras decisões, nos últimos 50 anos, que impediam os vários estados norte-americanos de proibirem a prática antes de o feto ser capaz de sobreviver fora do útero — actualmente por volta das 23 ou 24 semanas de gravidez.

Desde então, e segundo uma contagem mantida pelo jornal New York Times, 13 estados norte-americanos onde o Partido Republicano está em maioria nos respectivos parlamentos já aprovaram uma proibição do total do aborto — em qualquer fase da gestação e sem excepções para violação, incesto ou perigo para a saúde da grávida ou do feto.

Na Georgia, a proibição do aborto também não prevê excepções e começa a partir das seis semanas de gravidez, numa fase em que muitas mulheres não sabem ainda que estão grávidas.

Noutros quatro estados — Arizona, Florida, Carolina do Norte e Utah — a proibição sem excepções aplica-se a partir das 15, 18 ou 20 semanas; e em seis — Montana, Dacota do Norte, Wyoming, Iowa, Indiana e Ohio —, as maiorias republicanas já aprovaram leis de proibição, mas os tribunais locais ainda estão a analisar as queixas de organizações de defesa do direito ao aborto.

Se todas as disputas nos tribunais forem decididas a favor do Partido Republicano e do movimento antiaborto, a proibição da prática passará a ser uma realidade em 24 estados norte-americanos. Em sentido contrário, 26 estados e o distrito da capital, Washington D.C., têm em vigor várias leis que protegem o direito ao aborto, incluindo, em alguns casos, garantias nas respectivas Constituições.

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