Há mais de duas toneladas de urânio desaparecidas na Líbia

O material radioactivo, que na forma actual não pode ser transformado numa arma nuclear, desapareceu de um local remoto que escapa ao controlo do governo líbio reconhecido internacionalmente.

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A Líbia viveu em estado de guerra civil entre 2014 e 2020 AYMAN AL-SAHILI/Reuters

São quase duas toneladas e meia de urânio natural que “não estão presentes no local onde tinham sido declaradas pelas autoridades” líbias. O alerta é da Agência Internacional de Energia Atómica e foi dado depois de uma visita dos seus inspectores ao lugar onde este urânio estava armazenado, numa zona remota da Líbia, que “não se encontra sob controlo do governo” da Líbia reconhecido internacionalmente, lê-se no relatório enviado aos estados-membros pelo director-geral desta agência da ONU.

A AIEA vigia de forma regular este local “através da análise de imagens de satélite e de informações de livre acesso”, mas não é possível saber desde quando é que o material radioactivo está desaparecido. Foi com base nessas imagens que se decidiu avançar com a visita, “apesar de uma situação de segurança preocupante e da complexa logística” envolvida, explica a agência num comunicado publicado depois do relatório de Rafael Grossi.

A inspecção realizada esta semana deveria ter sido feita em 2022, mas foi adiada por causa de combates entre milícias.

De acordo com o documento confidencial assinado por Grossi, e consultado pela AFP, a matéria desaparecida é urânio concentrado, conhecido como yellow cake, com um nível de radioactividade considerado fraco. Ainda assim, “esta perda de informação é susceptível de colocar um risco radiológico”, bem como “inquietações em termos de segurança nuclear”. Mas na sua forma actual este urânio não pode ser transformado numa arma nuclear.

“Para alguém retirar este material desta localização é porque o quer muito”, afirmou Scott Roecker, da organização não-governamental Nuclear Threat Iniciative, que monitoriza ameaças nucleares, sublinhando tratar-se de um local longínquo e de acesso muito difícil. A quantidade referida pela AIEA corresponde “aproximadamente a um décimo do material” armazenado nestas instalações, pelo que “seria impossível não reparar na sua ausência”, explicou ainda Roecker, ouvido no programa Newsday da BBC.

Verificações “complementares”

A AIEA diz que estas instalações estão localizadas no Oeste do país, Roecker fala no Sul. Apesar de alguns progressos nas negociações políticas e de atravessar um período de relativa acalmia, a Líbia continua a ter dois governos e várias instituições e lideranças que dizem representar os líbios, assim como diferentes exércitos.

O receio de um regresso ao estado de guerra civil, como o vivido entre 2014 e 2020, depois da revolta de 2011 ter derrubado o ditador Muammar Khadafi, não desapareceu. Para que isso seja possível terão de ser organizadas eleições presidenciais e parlamentares reconhecidas como legítimas pelas várias facções, um objectivo inicialmente previsto para Dezembro de 2021.

A agência da ONU para o nuclear diz que vai realizar verificações “complementares” para tentar “clarificar as circunstâncias do desaparecimento desta matéria nuclear e a sua localização actual”, uma tarefa que não se avizinha fácil.

A Líbia renunciou ao seu programa de desenvolvimento de armas de destruição maciça em Dezembro de 2003 e as inspecções da AIEA começaram de imediato. O programa nuclear encontrava-se ainda numa fase descrita como muito incipiente.

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