Portugal deve impor nova taxa nas portagens para tirar da rua veículos a gasóleo, diz OCDE

Avaliação ambiental feita pela OCDE sobre Portugal propõe introduzir uma taxação nas portagens em função das emissões de CO2 dos veículos, para tirar os carros mais poluentes de circulação

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Portugal “colmatar a diferença fiscal entre o gasóleo e a gasolina, e suprimir o tratamento fiscal para os veículos mais antigos", diz o relatório daniel rocha

Para reduzir as emissões de dióxido de carbono e a poluição, Portugal deve “colmatar a diferença fiscal entre o gasóleo e a gasolina, e suprimir o tratamento fiscal para os veículos mais antigos, a fim de rejuvenescer a frota e promover veículos menos poluentes”, recomenda a Revisão do Desempenho Ambiental de Portugal feita pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) divulgada esta terça-feira.

O grupo de trabalho da OCDE que analisou o desempenho ambiental de Portugal na última década faz 26 recomendações. O objectivo é “ajudar Portugal a reforçar a coerência das políticas para impulsionar uma recuperação económica ecológica e o progresso no sentido dos seus objectivos de neutralidade carbónica e desenvolvimento sustentável”, lê-se. Em vários pontos, os especialistas reforçam os mesmos avisos da avaliação ambiental do país feita pela União Europeia e divulgada em Setembro de 2022.

O documento avalia o país e deixa propostas para uma melhor gestão da água, do lixo, das florestas, entre muitos outros problemas. Em muitos casos, é sugerido novas taxas ou a eliminação de apoios para forçar o caminho para a neutralidade e desenvolvimento sustentável.

Desde 2011, data da última avaliação, “Portugal teve um bom desempenho na redução de emissões de gases com efeito de estufa”, começam por reconhecer os especialistas, adiantando que o país registou progressos louváveis no desenvolvimento das energias renováveis e na eliminação progressiva do carvão”.

Mas, logo aí, deixa um alerta: Portugal “terá de aproveitar o potencial de descarbonização de todos os sectores para alcançar a neutralidade carbónica até 2050, tal como previsto na Lei de Bases do Clima”. Esta legislação foi aprovada há um ano, mas falta regulamentar partes essenciais para que funcione na sua plenitude.

Os peritos recomendam, assim, que a Lei de Bases do Clima seja rapidamente aplicada e que se tornem mais claras quais as medidas previstas para alcançar as metas até 2030. Falta, por exemplo, “quantificar o seu impacto na mitigação e especificar como serão financiadas”, salienta o relatório da OCDE.

Novas taxas e menos apoios na estrada

A acção sobre os combustíveis é uma das prioridades assinaladas no documento. A OCDE propõe que Portugal acabe rapidamente com o mais poluente, o gasóleo. Em 2020, 60% dos automóveis de passageiros em Portugal eram movidos a gasóleo, “uma das mais elevadas percentagens na União Europeia”, fazem notar os autores do relatório.

Este ano, o Parlamento Europeu aprovou formalmente uma lei que proíbe a venda de carros novos ligeiros de passageiros e de mercadorias a gasolina ou a gasóleo na União Europeia a partir de 2035.

Para ajudar a tirar os carros mais poluentes de circulação, a OCDE propõe introduzir uma nova forma de taxação nas portagens – que varie consoante as emissões dos veículos. “Embora os impostos sobre os combustíveis sejam eficazes para reduzir as emissões de carbono, as taxas baseadas na distância em função das emissões dos veículos e no local de condução são a melhor opção para combater a poluição atmosférica local”, lê-se.

De resto, é proposta também a “eliminação progressiva de apoios prejudiciais ao ambiente”. Por exemplo? É necessário acabar com medidas como “as taxas de imposto reduzidas para o gasóleo utilizado pelos equipamentos agrícolas e, desde 2017, o reembolso parcial dos impostos sobre o gasóleo às empresas de transporte de mercadorias”, sugerem os especialistas da OCDE.

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Maceda, em Ovar: "Portugal reforçou a prevenção dos riscos de incêndios florestais, mas enfrenta o desafio de melhorar as práticas de gestão florestal", diz o relatório tiago lopes

Há mais áreas que precisam de melhorias e intervenção. Em 2020, o investimento em infra-estruturas ferroviárias (0,1% do PIB) foi inferior a metade do nível de 2010 e situou-se muito abaixo do investimento rodoviário (0,5% do PIB). Assim, os autores do relatório propõem transferir o investimento da construção de novas estradas para a melhoria da rede ferroviária. Falam ainda na importância de integrar a redução da dependência do automóvel nos planos climáticos municipais e facilitar o acesso a serviços e actividades através da mobilidade activa e dos transportes públicos nas cidades.

A gestão da água na agricultura e nas cidades

Prejudiciais ao ambiente são também os apoios a “culturas que exigem muita água em zonas com problemas hídricos e actividades pecuárias intensivas, através de apoios associados e de medidas de mercado no âmbito da política agrícola comum”, diz o relatório.

São necessários mais esforços para utilizar a água de forma eficiente e alcançar um bom estado dos recursos hídricos. Em 2018, 92% das águas residuais urbanas eram tratadas de acordo com a Directiva Europeia relativa ao Tratamento de Águas Residuais Urbanas, acima da média da UE de 76%, realça o relatório.

E assinalam: a água potável é de excelente qualidade. “No entanto, as captações agrícolas, a principal fonte de captações de água doce, aumentaram cerca de 25% desde meados da década de 2010, particularmente nas regiões do Sul com pressão hídrica.Em 2021, menos de metade das massas de águas de superfície e dois terços das massas de águas subterrâneas tinham um bom estado global (ecológico e químico), dizem ainda os avaliadores.

Portugal também fez progressos no domínio da gestão da água, aumentando o acesso a água potável e ao saneamento. Porém, “as pressões mais significativas sobre estes recursos são as fontes agrícolas difusas”, insistem os especialistas, que enumeram vários problemas. “A facilidade de licenciamento de novas captações de água em zonas com problemas hídricos, a capacidade limitada para monitorizar e multar as captações ilegais e as baixas taxas para a captação de água para utilizações não potáveis, nomeadamente a irrigação, mantiveram baixos os níveis de reutilização da água (cerca de 1%).”

É preciso levar em conta que “a disponibilidade de água diminuiu cerca de 20% nos últimos 20 anos, e espera-se que continue a diminuir mais 10% até ao final do século”, sublinha o documento de análise que pede atenção para a gestão deste recurso.

A actividade pecuária intensiva também tem um peso significativo, avisam. A título de exemplo, é sublinhado que as emissões de gases com efeito de estufa provenientes da agricultura aumentaram 7% entre 2013 e 2020, devido à produção pecuária.

Proposta? Deve ser ponderada “a introdução de impostos baseados no número e tipo de animais e na utilização de fertilizantes”, bem como “aumentar as taxas de captação de água para a agricultura”, recomenda o relatório. “Combater o aumento das emissões provenientes da agricultura” deve ser um objectivo claro, destacam os peritos.

Com este objectivo em vista, também deve ser aumentado o uso de “incentivos monetários para melhorar a mitigação das emissões e o sequestro de gases de estufa na agricultura”.

Num outro capítulo, reconhece-se que o nosso país está muito exposto a riscos relacionados com o clima. As florestas estão particularmente expostas ao perigo de incêndio: perto de 80% do território com árvores é vulnerável ao risco de incêndio. “Portugal reforçou a prevenção dos riscos de incêndios florestais, mas enfrenta o desafio de melhorar as práticas de gestão florestal em zonas rurais abandonadas, onde a propriedade da terra é privada e fragmentada”, avaliam os peritos da OCDE.

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Parque Natural da Serra da Estrela, Rede Natura 2000. Poucas áreas protegidas têm planos de gestão Nelson Garrido

Medidas que podem ajudar a reduzir os riscos de incêndios florestais são, referem, a aceleração dos registos do cadastro fundiário e o alargamento dos pagamentos dos serviços do ecossistema. “Mais de metade das propriedades rurais não têm uma delimitação cadastral e estima-se que 20% dos terrenos florestais tenham proprietários desconhecidos”, assinalam.

Caíram despesas com biodiversidade

Nesta década de intervalo desde a última avaliação, o estado dos habitat e das espécies deteriorou-se. Falta financiamento adequado, diagnosticam os especialistas. “As despesas públicas com a biodiversidade representaram apenas 0,1% do produto interno bruto (PIB) em 2020, menos 25% do que em 2010.” A despesa pública com a protecção do ambiente, que se situou em 0,7% do PIB em 2020, foi inferior à média da União Europeia de 0,9%.

Depois, há falhas no registo de dados. “Apesar do aumento das áreas contratadas para preservar a biodiversidade, melhorar a gestão da água e dos solos, o impacto das medidas agro-ambientais não pôde ser avaliado devido à falta de indicadores adequados”, especifica-sen o relatório. “Portugal cumpriu o objectivo de Aichi [para a biodiversidade] de 2020 de proteger a área terrestre (25% contra o objectivo de 17%), mas não cumpriu o objectivo de proteger as áreas costeiras e marinhas (8,9% contra 10%)”, concluem os peritos.

Para atenuar alguns dos problemas nesta área, o relatório da OCDE recomenda “aumentar as verbas para a gestão das zonas protegidas no âmbito da nova política agrícola comum 2023-2027 e avaliar o impacto ambiental das medidas aplicadas”.

Foi criada a maior zona marinha protegida da Europa – o Governo Regional da Madeira expandiu em 2022 a área protegida em redor das Selvagens, que ficou com mais de 2600km2, é sublinhado. “No entanto, áreas protegidas têm planos de gestão. A">poucas áreas protegidas têm planos de gestão. A protecção, o restabelecimento e a promoção da utilização sustentável dos ecossistemas marinhos e terrestres (Objectivos de Desenvolvimento Sustentável 14 e 15) são desafios”, refere-se no relatório.

Taxas de resíduos separadas da conta de água

Uma outra área em que Portugal não está a conseguir os resultados esperados é a da economia circular. “A geração de resíduos urbanos cresceu a um ritmo mais rápido do que a economia. Em 2020, Portugal gerou mais resíduos urbanos per capita do que a média europeia”, por exemplo. E, consequentemente, não cumpriu a maior parte das suas metas de resíduos para esse ano.

Cerca de metade dos resíduos continuam a ser depositados em aterros, o que é uma das taxas mais elevadas entre os países europeus da OCDE. “Subsistem desafios importantes para assegurar padrões de consumo e produção sustentáveis.”

A recuperação dos custos do serviço de gestão de resíduos “é uma condição prévia para o financiamento do sector”, sustenta-se no relatório. Mas em 2020 três quartos dos municípios não recuperaram totalmente os custos da prestação de serviços de resíduos através das tarifas cobradas aos consumidores, alerta-se.

Identificado mais um problema, qual a proposta da OCDE? “Acelerar a passagem dos custos de gestão dos resíduos urbanos para as famílias através de taxas específicas identificáveis, dissociadas da conta de água, no âmbito de campanhas de sensibilização mais amplas para elevar a hierarquia dos resíduos; desenvolver a recolha selectiva de resíduos.”

É feita ainda uma curta avaliação das prioridades de Portugal relativamente ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). “Portugal consagrou 38% do seu orçamento do PRR aos objectivos climáticos e centra‑se adequadamente na melhoria da eficiência energética e na promoção da mobilidade sustentável.” Um ponto positivo que inclui igualmente investimentos para descarbonizar processos industriais e impulsionar a utilização e produção de hidrogénio, prevenir e combater os incêndios rurais e melhorar a eficiência na utilização da água.

“No entanto, foram manifestadas preocupações relativamente ao investimento na extensão da rede rodoviária, a novas barragens em zonas com escassez de água e a um apoio limitado à biodiversidade”, realça o relatório.

Estas considerações da OCDE são uma “análise baseada em dados e uma avaliação dos progressos realizados pelos países relativamente aos seus objectivos em matéria de política ambiental”, feita a intervalos regulares nos 38 países da OCDE. Esta é a quarta vez que Portugal é avaliado (as análises anteriores foram em 1993, 2001 e 2011).

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