Professores nos cuidados intensivos

Percebe-se que este doente piora a cada dia que passa e o médico, sabendo a causa e conhecendo a cura, continua a adiar o tratamento que é eficaz, tendo passado já três meses de internamento.

Foto
Manifestacao de dia 4, convocada por plataforma sindical, no Porto Adriano Miranda/Arquivo

É por demais evidente um enorme desgaste e cansaço na classe docente e é importante perceber como chegámos a este ponto. Desde logo, e por um lado, na atualidade, o Ministério da Educação (ME) está a forçar o desgaste nos professores pelas contínuas negociações a serem arrastadas no tempo, sem resultados claros ou soluções à vista, por outro, conseguimos analisar através da história recente da política educativa nacional e comprovar que muitos foram os partidos políticos no governo, ou em colaboração com o mesmo, que nunca idealizaram um plano ou desígnio nacional para a Educação a longo prazo, mas apenas o acumular de ideias avulsas, sem planificação em muitos anos de governação.

Aliás, é paradigmático e incoerente, alguns desses partidos, que se associam, nos dias de hoje, à luta dos professores, sem que noutras épocas tenham realizado ou pensado mais pela escola pública e pelos professores portugueses.

O atual momento de contestação poderá ser explicado com uma analogia à área da saúde, pensando nos professores como o doente em cuidados intensivos, com o ME a assumir o papel de médico dos mesmos. Neste caso, é como se o médico estivesse continuamente a fazer diagnósticos ao doente, permanecendo continuamente a prescrever a toma de placebos, na esperança que o doente possa por si só sair dos cuidados intensivos com o passar do tempo.

Percebe-se que este doente piora a cada dia que passa e o médico, sabendo a causa e conhecendo a cura, continua a adiar o tratamento que é eficaz, tendo passado já três meses de internamento. Ou seja, tendo a capacidade de resolver o sofrimento de um doente em estado crítico, o médico opta por tratar apenas a possibilidade de transferir o doente de hospital para hospital (concursos de professores), numa recusa pouca séria e ética de ministrar o medicamento que sabe, que pode salvar a Escola Pública de um abismo difícil de sair.

Percebe-se pela discussão e debate nacional, mas também pela ausência de uma política educativa com rumo, que um dos maiores problemas do sistema educativo em Portugal é que muitos dos que falam, pensam ou desenham sobre Educação, o que conhecem sobre a mesma, retrata o momento em que estiveram numa sala de aula enquanto eram alunos.

Assim, em muitos dos casos, quem tem pensado a Educação em Portugal, em órgãos de gestão nacional, municipal, e até, em algumas escolas, tem apenas na sua mente e conhecimento a mesma ideia de quem aplica serviços mínimos, ou seja, que as escolas são silos de crianças e jovens que devem ter o seu tempo ocupado num espaço, esquecendo que a Educação é mais do que ocupar tempo, mas continua a ser o desenvolvimento da curiosidade, a estimulação do pensamento, a promoção da autonomia na procura do conhecimento.

Pensar na escola como um espaço ocupacional é desconhecer por completo o que significa a palavra pedagogia, não reconhecer que educar denota humanizar. A famosa ideia de escola a tempo inteiro permanece no pensamento da sociedade como um lugar de ocupação de, apenas, tempo letivo, independentemente, da qualidade do mesmo.

Não deixa de ser bastante preocupante que os pais e a sociedade não se preocupem tanto com a qualidade do que acontece, pedagogicamente, na escola, e tendam cada vez mais a exigir a recuperação de eventuais prejuízos de aprendizagens pelo tempo letivo retirado pelas greves.

Seria fundamental compreender que uma Educação de qualidade poderá não estar a ocorrer há demasiado tempo, devido aos currículos desajustados, a fracos processos de avaliação, à falta de recursos materiais e humanos e pelo desequilíbrio emocional de uma escola a precisar de ser motivada, e nesse caso os prejuízos poderão ser bem maiores.

A qualidade da Educação oferecida aos alunos depende, em grande medida, da qualidade dos professores. É importante que os professores possuam as melhores competências pedagógicas e científicas, mas também o equilíbrio emocional e consciência ética necessária para enfrentar os desafios da Educação atual.

Todavia, para termos os melhores professores e não enfrentar o processo contrário de perda de qualidade e desprofissionalização, a valorização dos atuais e futuros é urgente. A desprofissionalização docente é um fenómeno que tem afetado muitos países, incluindo Portugal. Trata-se de um processo que enfraquece a autonomia dos professores, mina a sua autoridade e, consequentemente, afeta a qualidade da Educação que é oferecida aos alunos.

Quando chegam muitos profissionais de outras áreas que não a Educação ao sistema educativo, que têm componente científica, por chegarem de outras profissões, mas ausência de pedagogia, enfrentamos a redução da qualidade profissional.

A valorização da profissão docente pode ser alcançada através de uma remuneração adequada, avaliação docente justa e que premeie o mérito, políticas de reconhecimento profissional e de melhores condições de trabalho.

Além disso, é importante que a sociedade em geral e os pais dos alunos reconheçam a importância do papel dos professores na formação dos jovens e na construção de uma sociedade mais justa e desenvolvida.

Mas a responsabilidade também passa pelo ensino superior e pela formação inicial e contínua dos professores, de forma que estes tenham acesso a programas de formação de qualidade, que os preparem para lidar com o mundo atual e não com desenhos arcaicos na sua pedagogia. A formação deve ser adequada a novos programas e novos modelos de trabalho e ensino, uma vez que os atuais se encontram tão desajustados às reais necessidades dos alunos e das escolas.

A autonomia pedagógica é outro fator importante para combater a desprofissionalização docente. Os professores devem ter a liberdade para planear e executar atividades pedagógicas e projetos educativos apropriados às necessidades e interesses dos alunos, sem interferência externa. A autonomia pedagógica fortalece a autoridade do professor e aumenta a sua motivação para trabalhar.

A valorização da investigação e a inovação pedagógica são medidas que podem ajudar e incentivar os professores a participar em projetos de investigação e inovação na área da Educação, contribuindo para a sua avaliação, aumentando a motivação e a autoestima, bem como fortalecendo a sua identidade e qualidade profissional.

Também a participação e o envolvimento dos professores na construção de políticas educativas são fulcrais para combater a desprofissionalização docente. Os professores devem ser envolvidos nas discussões sobre políticas educativas, tendo a oportunidade de apresentar as suas opiniões e sugestões, de modo a aumentar a responsabilidade nas suas funções, fortalecendo a profissão.

É essencial que os professores tenham condições de trabalho adequadas, que lhes permitam dedicar-se integralmente à sua profissão e obter resultados positivos, ao invés de permanecerem com os planos, projetos e currículos pensados de forma externa, que são inconsequentes na sua operacionalização, como a flexibilidade e inclusão, num sistemático apelo à diferenciação pedagógica e avaliativa, com mais de duas dezenas de alunos dentro de uma sala de aula, em espaços inócuos de envolvimento, à espera que os professores executem.

Este pensamento redutor de Educação denota uma falta de compreensão de que os professores precisam de tempo para preparar os conteúdos e as abordagens pedagógicas. Sem esse tempo não letivo, não é possível conhecer os alunos, humanizar as relações ao ponto de diferenciar pedagogicamente, de compreendê-los a ponto de os ajudar a criar e refletir.

É necessário valorizar através do investimento em tempo de qualidade pedagógica, currículos atuais e reforço de recursos humanos (assistentes operacionais, psicólogos, terapeutas, técnicos de informática, assistentes administrativos, entre outros técnicos especializados), que retirariam funções administrativas aos professores, permitindo que se dedicassem ao seu papel pedagógico.

Assim, urge retirar os professores dos cuidados intensivos e terminar com os placebos sistemáticos que tanto têm desgastado a Educação, tendo em conta quem a tutela a deverá sempre proteger e salvar. Para isso, na urgência da Educação em Portugal, que se ouçam e reconheçam os professores como profissionais qualificados, de forma a atrair jovens talentosos para a carreira docente e aumentar a motivação e satisfação dos professores que exercem a arte de educar com ética e sentido profissional.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

Sugerir correcção
Ler 11 comentários