Michelle Yeoh, Lee Curtis e as mulheres que passaram do prazo

A vencedora do Óscar de melhor actriz tem 60 anos. A melhor coadjuvante, 64. Mas três jovens brasileiras acham que uma mulher de 40 não pode voltar a estudar.

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Michelle Yeoh, vencedora do Óscar de melhor actriz em 2023 CARLOS BARRIA/Reuters

Chega a ser engraçado como, neste fim-de-semana em que os Óscares premiaram duas mulheres com mais de 60 anos, um dos principais assuntos nas redes sociais brasileiras tenha sido um vídeo gravado por três jovens que acabam de ingressar num curso superior em Bauru, cidade do interior de São Paulo, e gozavam de uma colega de classe de 40 anos. "Mano, ela tem 40 anos já. Era para estar aposentada", diz uma das jovens.

Por um lado, até gostaria que ela estivesse certa — imagine só poder curtir os 40 sem trabalhar! —, por outro, sinto um gosto de retrocesso difícil de engolir em 2023. É claro que esse tipo de fala sempre existiu e passaria despercebida uns tempos atrás. Mas, com as redes sociais, qualquer bobagem pode ganhar uma repercussão astronómica.

As redes ampliam todo tipo de discurso, inclusive falas preconceituosas e discriminatórias. Como alguém que nasceu no mesmo interior de São Paulo, numa cidade a pouco mais de 200 quilómetros de onde vivem essas meninas, sei bem o que é essa mentalidade antiquada. A ideia de que todos temos que seguir os mesmos passos, cumprir todas as etapas da vida adulta no prazo “correto” – estudar, casar, ter filhos antes dos 30 — e que, depois disso, resta-nos manter o que foi feito.

A atriz Michelle Yeoh nos lembrou na noite deste domingo que devemos seguir nosso caminho. Aos 60 anos, ela é a primeira mulher asiática a receber o prémio, por sua atuação em Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo. Em seu discurso, ela agradeceu à família, na Malásia, e incentivou outros asiáticos a perseguir o sonho de atuar. Às mulheres, ressaltou: “Ladies, don't let anybody tell you you are ever past your prime”. Algo como: “Mulheres, não deixem ninguém dizer que vocês passaram do prazo”.

A atriz Jamie Lee Curtis, que ganhou a estatueta de melhor coadjuvante, exaltou os colegas da produção, a maior vencedora da noite, e lembrou que os pais foram, eles também, vencedores do Óscar. Ela não mencionou género, nem idade, estava apenas feliz.

As exceções ao caminho estabelecido, mais do que as regras, rendem os melhores roteiros. A vida — quem já viveu um pouco mais sabe — está longe de ter essa linha reta, com um caminho único delimitado pelos aniversários. Isso vale tanto para homens como para mulheres.

Para nós, o peso de cumprir os passos na idade certa é maior. Seja porque a fertilidade cai depois dos 35 anos, seja porque não temos a mesma aparência socialmente valorizada. E, se tentamos manter a juventude, somos criticadas (que o diga Madonna). E, se aceitamos o envelhecimento, igualmente. E nós, mulheres, também fazemos parte desse júri implacável que ora se volta contra as três meninas de Bauru.

Imagino que elas estejam agora assustadas com a repercussão inesperada. Já se disseram arrependidas. No fim, quero até agradecê-las por, ainda que de maneira torta, darem visibilidade ao tema do idadismo e de como ele afeta as mulheres, com anuência das próprias mulheres.

É esse tipo de mentalidade que já passou do prazo. Está vencida. A grande vantagem dessas e de outras jovens é que elas terão bastante tempo para rejuvenescer.


A autora escreve em português do Brasil

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