“Cada reunião de condóminos poderá significar empresas de AL encerradas”

Associação do alojamento local diz que há cerca de 70.000 imóveis ligados ao sector em condomínios e que podem ser afectados pela nova lei. Condomínios levantam várias dúvidas sobre o diploma.

Foto
Agentes do sector manifestaram-se contra as medidas do Governo no dia 1 de Março LUSA/MANUEL DE ALMEIDA

Para a Associação do Alojamento Local em Portugal (Alep), as consequências das alterações que o Governo quer aplicar neste sector, no âmbito do programa Mais Habitação, vão ser imediatas por causa dos novos poderes que serão dados aos condomínios.

“O secretário de Estado do Turismo garantiu hoje [domingo], em diversos meios de comunicação social, que o prazo de vida do alojamento local está garantido até 2030 e que, até lá, não vão ser cancelados registos”, referiu a associação num comunicado distribuído ontem à noite, acrescentando que “a realidade não é esta”, e é “muito mais trágica”.

“Esqueceu-se o senhor secretário de Estado de mencionar que quando o Governo coloca neste pacote legislativo normas que legitimam a assembleia de condóminos de encerrar alojamentos locais, de forma indiscriminada e sem mediação das autarquias, num sector que conta com 70.000 imóveis inseridos em condomínios, muito provavelmente, em 2030, quem governar terá poucos registos para cancelar ou renovar”.

Para a associação liderada por Eduardo Miranda, o executivo está a criar “um ambiente de terrorismo nos condomínios”. “A partir de agora, cada reunião de condóminos poderá significar empresas de AL encerradas, famílias sem rendimento, funcionários enviados para o desemprego, turistas com reservas sem alojamento, empresários que contraíram dívidas na pandemia sem ter como as pagar”, sublinha a Alep.

A associação diz ainda no seu site que, além dos apartamentos, é preciso ter também em conta “cerca de 8000 estabelecimentos de hospedagem e quartos que na maioria estão em edifícios residenciais, pelo que, com uma alteração deste teor, a lei colocaria um risco constante de encerramento, renovado a cada ano, por ocasião da reunião de condomínio, a 70% da oferta do AL em Portugal”.

De fora desta medida ficam os prédios totalmente dedicados ao AL, como acontece em várias situações. Os dados do registo nacional de alojamento local do Turismo de Portugal mostram que esta segunda-feira, pelas 12h, havia 109.482 registos, dos quais 70.969 eram apartamentos. Numa análise por distritos, verifica-se que a maior concentração está em Faro (com 26.566), seguindo-se Lisboa (21.107) e Porto (10.573). Ao todo, estes três distritos têm 82% dos apartamentos em regime de AL no território nacional, mas o cenário muda se o foco for a nível concelhio.

Numa análise mais pormenorizada feita pelo PÚBLICO em Junho do ano passado, com base em dados do mês anterior, havia então 66.153 apartamentos em regime de AL, dos quais 38.979 eram de empresários em nome individual e outros 27.174 eram de empresas.

Numa análise por concelhos, Lisboa liderava a tabela, com 18.027 apartamentos em AL, seguindo-se o Porto, com 7564, e Albufeira, com 6366. O resto do “top 10” era preenchido por concelhos do Algarve, à excepção do Funchal (9.ª posição, com 1308).

As dúvidas dos condomínios

De acordo com a proposta do Governo, que está em consulta pública até ao dia 10 deste mês, o alojamento local que já exista num prédio poderá ser encerrado se essa for a decisão de “mais de metade da permilagem do edifício”. O objectivo do executivo é o de, com a aplicação das várias medidas que estão em cima da mesa, incentivar “à transferência de fogos em alojamento local para o arrendamento habitacional”.

“No caso de a actividade de alojamento local ser exercida numa fracção autónoma de edifício ou parte de prédio urbano susceptível de utilização independente, a assembleia de condóminos, por deliberação de mais de metade da permilagem do edifício, pode opor-se ao exercício da actividade de alojamento local na referida fracção, salvo quando o título constitutivo expressamente preveja a utilização da fracção para fins de alojamento local ou tiver havido deliberação expressa da assembleia de condóminos a autorizar a utilização da fracção para aquele fim”, lê-se na proposta legislativa.

Vítor Amaral, presidente da Associação Portuguesa de Gestão e Administração de Condomínios (APEGAC), coloca várias interrogações ligadas à proposta legislativa, começando por afirmar que “o regime do AL não prevê que a assembleia de condóminos se pronuncie previamente ao licenciamento da actividade pela autarquia, em fracções de prédios em propriedade horizontal (condomínios). Prevê o Governo alterar o regime do AL?”, questiona, tal como se interroga sobre os procedimentos para futuros casos de licenciamento.

Falta também referir “quem tem de promover a convocação da assembleia de condóminos” quando e se houver o objectivo de fechar o AL. “O administrador do condomínio? Com que fundamento legal? Condóminos que representem 25% do valor total do prédio? Um único condómino não o pode fazer, por não estar previsto no regime da PH [propriedade horizontal].”

“O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Março de 2022, que veio uniformizar a jurisprudência, entende que o exercício do alojamento local em fracções de habitação é uma alteração ao fim da fracção, quando este (fim) faça parte do título constitutivo da propriedade horizontal”.

“Ora”, realça este responsável, “a alteração do fim a que se destina a fracção só pode ocorrer quando haja aprovação por todos os condóminos (regra da unanimidade), como dispõe o art.º 1419º do Código Civil”. “No entanto”, acrescenta Vítor Amaral, “esta proposta do Governo abre a possibilidade de a alteração do fim se dar por maioria do valor total do prédio”, quando na sua redacção é dito: “Ou se tiver havido deliberação expressa da assembleia de condóminos a autorizar a utilização da fracção para aquele fim” e a norma proposta começa por referir-se a “deliberação de mais de metade da permilagem do edifício” — uma “construção jurídica desajustada”, para o presidente da APEGAC, “porque nem todos os prédios em propriedade horizontal dividem o valor de cada fracção por mil”.

“Com esta alteração proposta pelo Governo, não deixarão os tribunais de aplicar o acórdão referido; ou seja, mesmo que a assembleia, por maioria, decida autorizar a actividade de AL, qualquer condómino pode recorrer a tribunal por entender que há uma alteração ao fim a que se destina a fracção, com possibilidade de vir a ser considerado que há uma alteração ao fim e, consequentemente, faça cessar a actividade”, constata o presidente da APEGAC.

“Serão vários os problemas que se levantarão caso o legislador não altere o regime do AL e, no que for necessário, o regime da propriedade horizontal, conciliando-os e salvaguardando o interesse de quem vive em condomínio e de quem investiu e investe em AL”, conclui.

Sugerir correcção
Ler 42 comentários