Criada uma nova forma de gelo na Terra

Pela primeira vez, uma investigação científica conseguiu produzir o chamado “gelo amorfo de densidade média” no planeta Terra.

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A nova forma de gelo obtida em laboratório Christoph Salzmann

Ao usar um aparelho que pode ser descrito como um misturador de cocktails, cientistas criaram uma forma de gelo que até agora não era encontrada na Terra, mas que pode existir nas luas geladas do nosso sistema solar. Tudo aconteceu numa investigação que explorou o comportamento da água sob condições extremas.

Os investigadores revelaram que aplicaram um processo chamado “moinho de bolas”, em que se agita energeticamente gelo normal com bolas de aço num recipiente a menos de 200 graus Celsius. Isto produziu o que os cientistas chamaram “gelo amorfo de densidade média”, ou MDA, que se assemelha a poeira fina branca.

O gelo que todos conhecemos é cristalino na natureza e, portanto, com moléculas de água – dois átomos de hidrogénio e um átomo de oxigénio, ou simplesmente H2O – com um padrão regular. As moléculas de água do gelo amorfo estão organizadas de uma forma “organizada de forma aleatória” (estando assim num estado desordenado) que se assemelha à da água líquida.

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O gelo amorfo criado recentemente em laboratório Christoph Salzmann

“O gelo é água gelada e contém moléculas de H2O. O H2O é um bloco de construção molecular altamente versátil que pode formar muitas estruturas diferentes dependendo da temperatura e da pressão”, afirma Christoph Salzmann, professor de física e materiais químicos da Universidade College de Londres e um dos autores de um artigo publicado agora na revista Science sobre a nova forma de gelo. “Sob pressão, as moléculas acondicionam-se de forma muito eficaz, sendo esta a razão por que há muitas formas diferentes de gelo.”

Praticamente todo o gelo na Terra existe na sua conhecida forma cristalina – pense nos cubos de gelo da sua limonada. Mas o gelo amorfo é, de longe, a forma mais comum de gelo no espaço. Cientistas já identificaram 20 formas diferentes de gelo cristalino e três formas diferentes de gelo amorfo – uma de baixa densidade (descoberto na década de 1930), uma de alta densidade (descoberto na década de 1980) e uma que está entre os dois. Na Terra, o gelo amorfo deverá estar confinado às partes mais altas da atmosfera.

O gelo pelo nosso sistema solar

“Quase todo o gelo no Universo é amorfo e numa forma chamada ‘gelo amorfo de baixa densidade”, afirma Salzmann. “Isto forma-se quando a água se condensa em grãos de poeira no espaço. Os cometas têm gelo amorfo. Já a água líquida requer condições muito especiais como as da Terra. Contudo, há também provas em algumas subsuperfícies de oceanos em algumas luas geladas do sistema solar.”

O processo “moinho de bolas” é usado na indústria para moer ou misturar materiais. Os investigadores usaram a técnica para fazer oito gramas do novo gelo, mantendo algum dele num depósito frio.

Agora, a questão é onde esta forma de gelo pode existir na natureza. Os investigadores lançaram a hipótese de que o tipo de processos aplicados em laboratório para transformar o gelo normal no novo tipo de gelo também existirá nas luas Europa, de Júpiter, e Encelado, de Saturno.

“Fizemos pela primeira vez gelo MDA. Por isso, as amostras no nosso laboratório devem ser as únicas na Terra”, perspectiva Salzmann. “Suspeitamos de que possa existir em algumas das luas geladas do nosso sistema solar. O ‘moinho de bolas’ induz forças de ruptura nos cristais de gelo quando colidem com as bolas de aço. Nas luas de gelo, as forças de maré de Júpiter e Saturno estão a funcionar e esperamos que induzam forças semelhantes nos reservatórios de gelo nas luas.”

A investigação pode proporcionar uma melhor compreensão da água, que é central para a vida. “O facto de esta nova forma de gelo ter uma densidade semelhante à da água líquida – e pode ser assim um bom modelo para compreender a água – é, provavelmente, o aspecto mais importante desta descoberta”, afirma Angelos Michaelides, professor de química na Universidade de Cambridge e também autor do estudo.

“Uma vez que o MDA está também num estado desordenado como a água líquida, a questão que se levanta é se é de facto água líquida, mas a baixas temperaturas”, pergunta já Salzmann. “Posto isto, o MDA dá-nos uma oportunidade de conseguirmos finalmente compreender a água líquida e as suas muitas anomalias.”

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