A mumificação no Antigo Egipto usava ingredientes de locais remotos

Ao analisarem o conteúdo em recipientes encontrados numa oficina de embalsamento, os cientistas descobriram que alguns ingredientes vinham de locais a milhares de quilómetros do Egipto.

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Cena de embalsamamento dos mortos Nikola Nevenov

Os antigos egípcios usavam um conjunto de ingredientes exóticos – alguns que importavam do Sudeste asiático – para mumificar os seus mortos. Esta é uma revelação de uma nova análise de conteúdo descoberto em embalsamentos com mais de 2500 anos.

Esta semana, investigadores desvendaram os resultados de análises bioquímicas de vasos de cerâmica que serviam para guardar substâncias para embalsamamento num sítio arqueologicamente rico no Sacará, perto do Cairo. Os cientistas tentaram decifrar a química da prática de mumificação usada para preparar os mortos no Egipto há milhares de anos.

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Vasos encontrados em 2016 M. Abdelghaffar/Saqqara Saite Tombs Project

Os antigos egípcios viam a preservação do corpo depois da morte como crucial para assegurar uma existência digna na pós-vida. Várias substâncias foram aplicadas para preservar os tecidos humanos e preservar o mau cheiro da decomposição do corpo – isto muito antes de qualquer entendimento de biologia microbiológica – antes de o corpo ser acondicionado. Ao longo do estudo, foram identificadas uma dúzia de substâncias.

Ao longo dos últimos dois séculos, os cientistas foram especulando sobre certos ingredientes do embalsamamento mencionados em textos antigos. Mas uma descoberta do cientista egípcio Ramadan Hussein perto de ruínas da pirâmide de Unas e da pirâmide de Djoser pode mudar esse conhecimento. O investigador encontrou uma oficina com copos e vasos em forma de taça com inscrições de nomes antigos dos seus conteúdos e, por vezes, com as instruções da sua aplicação, tal como “pôr na cabeça”.

Os cientistas analisaram o conteúdo químico nesses recipientes. “A maioria das substâncias é originária de fora do Egipto”, afirma o arqueólogo Philipp Stockhammer, da Universidade Ludwig Maximilian de Munique, na Alemanha, e principal autor de um estudo sobre esta análise agora publicado na revista científica Nature.

Muitos dos materiais vieram da região Leste do Mediterrâneo, incluindo óleo de cedro, zimbro e cipreste, betume e azeite. Uma grande surpresa foi a presença de substâncias aparentemente vindas de florestas do Sudeste asiático, que ficam a milhares de quilómetros da oficina agora revelada. Também havia goma de resina de florestas tropicais do Sudeste asiático, bem como resina dessa localização ou da parte tropical de África.

“A questão aqui é que essa resina foi trazida de grandes distâncias e que a mumificação no Egipto foi de alguma forma um impulso numa globalização embrionária e do comércio global”, assinala Philipp Stockhammer. “O embalsamamento era feito de uma forma muito bem organizada e institucional”, assinala o bioquímico Mahmoud Bahgat, cientista no Centro de Investigação Nacional no Cairo e outro dos autores do trabalho.

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Local onde foram encontrados os vasos com o conteúdo S. Beck/Saqqara Saite Tombs Project

Ainda muito por descobrir

A oficina de embalsamamento subterrânea estava acessível ao longo de um poço de 12 metros de profundidade. Está datado com a 26.ª dinastia do Egipto, do período Saíta, entre 664 a.C. e 525 a.C. num tempo em que existia uma influência regional dos persas e dos assírios e de um declínio do poder egípcio. Este era um tempo cerca de dois milénios após a construção das pirâmides de Gizé e seis séculos depois do reino do faraó Tutankhamon – uma múmia e objectos funerários encontrados em 1922.

“Tem havido inúmeros estudos sobre o embalsamamento no Egipto, mas a nossa falta de conhecimento sobre quais as substâncias que estão por detrás os diferentes nomes e a falta de descrições das práticas ainda estavam por entender”, considera Maxime Rageot, um arqueólogo biomolecular que é especialista na Universidade de Tübingen, na Alemanha, e um dos autores do texto. “Agora, já consigo dar algumas respostas.”

Uma substância para embalsamamento designada “antiu” em antigos textos tem vindo a ser traduzida como resinas de olíbano ou mirra. Este estudo revelou que era uma mistura de óleo de cedro, zimbro, óleo de cipreste e gorduras animais. Já três recipientes, com ingredientes como resina de elemieira​, resina de pistácio ou produtos derivados de zimbro ou mel, foram identificados como tendo conteúdo para embalsamamento para a cabeça. Outros recipientes foram usados para suavizar a pele ou limpar o corpo.

“Sabia-se como seleccionar e misturar substâncias antimicrobianas que permitem aperfeiçoar a preservação da pele”, afirma Philipp Stockhammer. “Ainda há segredos a serem revelados. Devido aos novos métodos, é possível vir a descobrir certos aspectos, não apenas dos vasos de Sacará, mas também objectos que estão em museus e colecções”, prevê Susanne Beck, da Universidade de Tübingen e também autora do estudo.

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