Como financiar o fundo climático global? Taxando os mais ricos do mundo, diz relatório

Um imposto progressivo aplicado às fortunas dos 65 mil indivíduos mais ricos do mundo pode financiar um fundo global que compense os países mais vulneráveis às alterações climáticas.

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"Tributem os ricos", lê-se no cartaz de um activista no Fórum Económico Mundial, em Janeiro Reuters/ARND WIEGMANN

Falar de alterações climáticas é falar de desigualdade. É falar das inundações que mataram quase duas mil pessoas no Paquistão e da seca que atingiu o Quénia e levou seres humanos e animais ao desespero. É admitir que, sendo os que menos emitem, os países em desenvolvimento são também os que mais sentem o impacto do aquecimento do planeta – e compensá-los por isso. Durante a COP27, em Novembro, foi acordada a criação de um Fundo de Perdas e Danos para apoiar os países vítimas de eventos climáticos extremos, mas definir quem o vai financiar ameaça ser um processo longo.

Contudo, um grupo de investigadores do World Inequality Lab, liderado pelos economistas franceses Lucas Chancel e Thomas Piketty, defende que a resposta ao problema está na aplicação de uma taxa climática global às 65.130 pessoas detentoras das maiores fortunas do planeta, o que equivale a pouco mais do que um milésimo da população mundial.

“Verificamos que um imposto global sobre a riqueza dos centimilionários do mundo (ou seja, indivíduos que possuem mais de 100 milhões de dólares [92 milhões de euros] líquidos) angariaria montantes substanciais de dinheiro, mesmo quando as taxas de imposto são relativamente baixas”, pode ler-se no Climate Inequality Report 2023, que define o Fundo de Perdas e Danos como “um passo na direcção certa”.

O relatório sugere que a aplicação de uma taxa progressiva – que vai dos 1,5% aos 3% – a todos os indivíduos com mais de 100 milhões de dólares em seu nome, podia angariar 295 mil milhões de dólares (271 mil milhões de euros) por ano para apoiar as comunidades mais vulneráveis na adaptação ao aquecimento global. A ideia resume-se em taxar patrimónios líquidos de até mil milhões de dólares em 1,5%, subindo até 2% para fortunas de até 10 mil milhões de dólares. Já os indivíduos detentores de até 100 mil milhões de dólares pagariam um imposto de 2,5%, que aumentaria para os 3% em valores superiores.

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Implementado com sucesso, um imposto “relativamente modesto” deste género podia satisfazer e, segundo estimam os economistas, até ultrapassar as necessidades de um fundo climático em 93 mil milhões de dólares, ou 85 mil milhões de euros, por ano, sem grandes prejuízos para quem o pagasse. Só na Europa, seria possível angariar 51 mil milhões de euros, o que representa quase o dobro do que foi angariado pelos países desenvolvidos no ano de 2020.

“Os governos de países ricos concordaram em financiar a adaptação climática e as perdas e danos dos países em desenvolvimento, mas ainda estão com dificuldade em encontrar novos recursos para o fazer”, disse Lucas Chancel ao El País, justificando a proposta.

Dentro de cada país, também há desigualdade

O mesmo estudo destaca ainda uma grande desigualdade dentro dos países, estimando que a desproporção entre as pegadas ecológicas das pessoas ricas e pobres é maior do que as diferenças entre países. "Os impactos climáticos não estão igualmente distribuídos por todo o mundo: em média, os países de rendimento baixo e médio sofrem maiores impactos do que os países mais ricos. Ao mesmo tempo, a crise climática é também marcada por desigualdades significativas dentro dos países", lê-se no documento.

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Se todos os indivíduos têm uma pegada carbónica, são os 10% mais ricos – a “elite poluidora” – que emitem quase metade dos gases de efeito de estufa a nível global, sendo também os mais prováveis protegidos dos seus efeitos adversos. Ao passo que a perda relativa de rendimento dos 10% mais ricos causada pelas alterações climáticas está estimada em apenas 3%, a metade mais pobre do planeta pode perder até 75% do seu património líquido ao ser afectada.

Os investigadores destacam ainda que acabar com a pobreza mundial não significa necessariamente que se ultrapasse os limites mundiais de emissões definidos pelo Acordo de Paris. “Tirar grandes números de pessoas da pobreza não precisa de ter um efeito negativo na mitigação das alterações climáticas”, visto que as emissões que daí resultariam são baixas, quando comparadas com a pegada carbónica dos mais ricos, diz o relatório.

Texto editado por Andrea Cunha Freitas

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