Viagens de avião e carros poluentes: os 1% mais ricos provocam o dobro das emissões da metade mais pobre

Investigação da Oxfam concluiu que, ao longo de 25 anos, os 1% mais ricos foram responsáveis por 15% das emissões de gases com efeitos de estufa — mais do dobro dos 7% emitidos pela metade mais pobre da população mundial. “Este é o momento de ser arrojado e fazer as coisas de forma diferente”, apela Tim Gore, da organização.

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Sempre prontos para voar, com uma paixão por SUV e grandes gastadores, os 1% mais ricos da população mundial são responsáveis pela emissão do dobro do dióxido de carbono emitido pela metade mais pobre da humanidade no último quarto de século, anunciaram investigadores da Oxfam no relatório Confronting Carbon Inequality, publicado esta segunda-feira, 21 de Setembro.

Esse consumo excessivo deixa pouco espaço no “orçamento do carbono” mundial para os países mais pobres crescerem sem empurrarem o planeta rumo a impactos climáticos cada vez mais perigosos, desde o agravamento das tempestades até à escassez de água. E sugere que manter as alterações climáticas globais sob controlo exigirá não só ajudar os países mais pobres a desenvolverem-se de forma limpa, mas também pôr em prática medidas duras para conter o consumo excessivo pelos ricos do mundo.

Tim Gore, chefe da Política Climática da organização não-governamental Oxfam e o primeiro autor do estudo, considera que a mudança não virá de indivíduos agindo voluntariamente sozinhos. “Isso nunca irá fazer sentido. Isto tem de ser impulsionado pelos Governos”, disse, em declarações à Fundação Thomson Reuters.

A investigação, realizada com o Instituto do Ambiente de Estocolmo, concluiu que ao longo de 25 anos, entre 1990 e 2015, os 1% mais ricos foram responsáveis por 15% das emissões de gases com efeitos de estufa — mais do dobro dos 7% emitidos pela metade mais pobre da população mundial. Os 10% mais ricos foram responsáveis por 52% das emissões durante esse período, indica o estudo.

A crescente popularidade dos SUV (Sport Utility Vehicle) que consomem combustível foi um particular problema, com os veículos a surgirem como o segundo maior impulsionador do crescimento global das emissões de carbono entre 2010 e 2018.

Agora que os países procuram recuperar das recessões económicas ligadas à pandemia de covid-19, que atingiram mais duramente os pobres, os incentivos económicos para desencorajar o consumo excessivo poderiam ter um papel fundamental, disseram as autoridades. “O nosso modelo económico actual tem sido um potenciador de alterações climáticas catastróficas e de desigualdades igualmente catastróficas”, disse o antigo Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, ao comentar os resultados deste estudo.

A pandemia oferece uma oportunidade para repensar os sistemas e “abordar as emissões desproporcionadas de carbono dos mais ricos da sociedade deve ser uma prioridade como parte deste compromisso colectivo”, acrescentou.

Ainda assim, a dimensão dos cortes nas emissões que os mais ricos terão de fazer para manter o aquecimento planetário 1,5 graus Celsius acima dos tempos pré-industriais o objectivo mais exigente do Acordo de Paris de 2015 são de tirar o fôlego. O relatório da Oxfam estima que os 10% mais ricos teriam de reduzir as suas emissões para cerca de dez vezes menos do que os níveis actuais para manter o mundo num bom caminho para alcançar o objectivo — até 2030.

Mas com o início da crise do novo coronavírus, bem como com as crescentes exigências de justiça racial e social, “políticas que eram impensáveis há um ano estão agora a ser lançadas”, disse Gore. “Este é o momento de ser arrojado e de fazer as coisas de forma diferente.”

As viagens de negócios, por exemplo, diminuíram drasticamente durante a pandemia, oferecendo “uma enorme oportunidade” para tributar os voos da classe executiva, bem como os jactos privados e passageiros frequentes – uma medida apoiada pelo grupo de cidadãos britânicos Climate Assembly UK.

Os fundos angariados através dessas taxas poderiam ser utilizados para apoiar os mais pobres, investindo nos cuidados de saúde e na educação, ou para impulsionar os transportes públicos, as infra-estruturas digitais e outras medidas para facilitar viver de forma menos poluente, disseram os investigadores.

França já introduziu impostos mais severos sobre os SUV, observou Gore, enquanto alguns governos, como a Nova Zelândia e a Escócia, estão a deixar de encarar o crescimento económico como principal medida de sucesso para adoptar uma avaliação mais ampla do “bem-estar”. E aplicar o dinheiro de resgates na reabilitação energética das casas algo que pode reduzir as emissões, melhorar a vida dos mais pobres e criar empregos resolveria dois problemas de uma só vez. “Temos de enfrentar problemas profundamente enraizados de desigualdade a par de problemas como as alterações climáticas.”