Se vir no menu que o hambúrguer que escolheu faz mal ao clima vai hesitar?

Estudo analisa como incentivar consumidores a fazer escolhas alimentares mais sustentáveis de fast-food. Mas alerta que ser sustentável nem sempre quer dizer que faz melhor à saúde.

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Estudo concluiu que a informação sobre os danos que um produto pode causar ao clima influencia mais o consumidor do que a informação sobre se o produto é ou não sustentável Reuters/YUYA SHINO

O que pode ser mais eficaz a conduzir um consumidor de fast-food a escolher uma opção mais sustentável, digamos uma salada, ainda que leve carne, em vez de um hambúrguer de carne de vaca? Uma experiência de investigadores norte-americanos concluiu que mais eficaz do que um aviso a sublinhar que a salada pode ser uma opção mais sustentável, é um alerta que diga que o hambúrguer é um prato que tem maior impacto sobre o ambiente, pois esconde muito mais emissões de gases com efeito de estufa.

O estudo mostrou a 5049 participantes, recrutados num painel de opinião pública representativo da população norte-americana (AmeriSpeak), uma equipa de investigadores da Escola de Saúde Johns Hopkins Bloomberg, de Baltimore (EUA) três tipos de menus, semelhantes aos que se podem encontrar num estabelecimento de fast-food (com hambúrgueres de vaca, de substitutos vegetais de carne, sanduíches e nuggets de frango, saladas).

Mas os menus tinham três tipos de marcações: códigos QR em todos os itens, que continham informação sobre as calorias e composição dos alimentos; uma etiqueta verde que salientava o baixo impacto que o produto tinha em termos de emissões de gases com efeito de estufa (em alimentos à base de peixe, galinha ou vegetarianos), portanto com uma perspectiva positiva; ou etiquetas vermelhas, normalmente reservadas para os alimentos à base de carne vermelha, salientando o elevado impacto em termos de emissões.

A conclusão foi que 23,5% mais participantes escolheram um prato do menu mais sustentável quando confrontados com a etiqueta que salientava os impactos elevados em termos de emissões de gases de estufa de alguns produtos, em comparação com os participantes no grupo de controlo. No caso dos que tiveram acesso ao menu que destacava as opções mais sustentáveis, só 9,9% dos participantes as escolheram.

Este ensaio clínico sugere, por isso, que as etiquetas sobre o impacto climático das opções disponíveis do menu, “em especial as que sublinham de forma negativa o elevado impacto (por exemplo, da carne vermelha), são uma estratégia eficaz para reduzir a selecção de carne vermelha e encorajar escolhas mais sustentáveis”, escreve a equipa, que tem como primeiro autor Julia Wolfson, na revista JAMA Network Open.

Produção de carne responsável por 14,5% das emissões

E porquê esta atenção toda à carne vermelha? É que a produção de carne, sobretudo de carne de vaca, é responsável por 14,5% das emissões globais de gases com efeito de estufa, que são o motor das alterações climáticas. “Nos Estados Unidos, o consumo de carne, e carne vermelha em particular, excede de forma consistente os níveis recomendados nas orientações nutricionais”, explicam os investigadores.

“Alterar os padrões actuais para dietas mais sustentáveis, com menor consumo de carne vermelha, poderia reduzir até 55% as emissões globais de gases com efeito de estufa relacionadas com a alimentação”, justificam. E os restaurantes de fast-food são uma fonte importante de consumo de carne vermelha nos Estados Unidos: “Num dia típico, mais de um terço dos habitantes dos EUA consome fast-food, que está associada a diversos problemas de saúde”, salientam os cientistas. Diabetes, obesidade, aumento do risco de acidente vascular cerebral e cancro do cólon são algumas das doenças associadas ao consumo de carne vermelhas, sublinham.

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"As etiquetas que dão uma perspectiva positiva sobre a sustentabilidade do produto alimentar podem induzir em erro os consumidores a considerar como saudáveis alimentos que não o são", dizem os cientistas Tannen Maury/EPA

Mas quanto às escolhas mais sustentáveis serem igualmente escolhas mais saudáveis, embora as pessoas façam essa associação, não é necessariamente verdade. Muitas vezes, não é verdade de todo.

Sustentável não é igual a saudável

“Os participantes que seleccionaram um alimento mais sustentável classificaram a sua escolha como mais saudável do que os que fizeram uma opção insustentável”, dizem os cientistas, que usaram o Índice do Perfil Nutricional (NPI na sigla em inglês) para medir a qualidade nutricional das opções disponíveis nos menus de fast-food. Alimentos com um resultado superior a 64 pontos são considerados saudáveis; nenhum elemento do menu chegou lá. Os valores oscilaram entre os 36 pontos de um hambúrguer de carne de vaca até aos 62 pontos de um hambúrguer de base vegetal, diz o artigo.

“Muitos dos alimentos mais sustentáveis continuam a ter muitas calorias, gorduras saturadas, açúcar adicionado. Por isso, as etiquetas que dão uma perspectiva positiva sobre a sustentabilidade do produto alimentar podem induzir em erro os consumidores a considerar como saudáveis alimentos que não o são, encorajando o seu consumo”, alertam os cientistas.

Se a investigação pretendia avaliar qual o tipo de alerta que incentiva os consumidores a fazer escolhas mais sustentáveis, esta ressalva sobre isso não estar relacionado com serem alimentos mais saudáveis é muito importante.

“Os resultados sugerem que as etiquetas de sustentabilidade, em particular aquelas que dão uma perspectiva positiva sobre o baixo impacto climático dos produtos alimentares, podem conferir um indesejável efeito de halo que os faz parecer saudáveis”, alerta a equipa de Julia Wolfson.

“Várias cadeias de fast-food importantes introduziram recentemente opções sem carne ou de alternativas à carne nos seus menus, e a indústria da restauração identifica a sustentabilidade como uma das tendências em alta na década de 2020”, salientam os investigadores da Escola de Saúde Johns Hopkins Bloomberg.

“Os nossos resultados sugerem que etiquetas com avisos com uma perspectiva negativa sobre os elevados impactos dos alimentos no meu são mais eficazes [para fomentar escolhas mais sustentáveis]. Mas é pouco provável que a indústria adopte de forma voluntária etiquetas com uma abordagem negativa; isso pode ter de ser incentivado ou mesmo imposto através de legislação ou regulamentação”, alertam os cientistas.

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