O que podemos fazer para ter uma dieta sustentável? E o que tem a indústria deixado que façamos?

Cortar na carne e privilegiar frutos e legumes da época são algumas das coisas que podemos fazer para proteger o ambiente. Mas precisávamos de conseguir saber mais sobre o ciclo de vida dos alimentos que chegam aos nossos pratos, por exemplo, para tomar decisões ainda mais conscientes.

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Mercado do Bolhão, no Porto Nelson Garrido

Este domingo, assinala-se o Dia Mundial da Alimentação. A propósito da data, o PÚBLICO perguntou a vários especialistas: por que caminhos passa a sustentabilidade alimentar? As respostas incluem não só dicas que cada um de nós, consumidores, podemos seguir para ter uma dieta mais amiga do ambiente, mas também observações sobre coisas que a indústria alimentar está a fazer — ou, então, deveria fazer — para proteger o planeta.

No que diz respeito às dicas, estas podem ser, para alguns leitores, coisas que já foram ditas amiúde. Mas, conforme diz Susana Mendes, investigadora do pólo que o Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (Mare) tem no Politécnico de Leiria, “nem todos os consumidores têm o mesmo nível de literacia nutricional”, havendo inclusive quem não saiba ou tenha como “ir procurar à Internet informações que a maioria da população pode julgar serem básicas.” Portanto, nunca é demais repetir certas recomendações.

Carne: apelo à moderação

Esta é das dicas mais conhecidas. Os gastos de água e energia, para referir apenas dois, são maiores quando se fala em produção pecuária intensiva do que quando se fala em produção vegetal. Uma dieta com mais frutas e legumes tem uma pegada carbónica mais pequena.

Isto não quer dizer, necessariamente, que devamos “deixar de comer carne”, diz Anabela Raymundo, do LEAF, centro de investigação que faz parte do Instituto Superior de Agronomia. “A carne também é importante e o seu consumo não tem de ser eliminado — embora algumas dietas prescindam dela.”​

Cortar no desperdício (e saber ler os prazos de validade)

Reaproveitar as ditas “sobras” é “extremamente importante”, continua Anabela Raymundo, que destaca ainda um outro problema: há uma percentagem preocupante de artigos alimentares que os consumidores adquirem e nunca chegam a confeccionar. Por norma, o motivo é o seguinte: eles ficam bastante tempo na despensa e depois acabam por passar do prazo de validade. Mas temos de saber interpretar este mesmo prazo.

Conforme diz a Deco Proteste, “consumir de preferência antes de...” e “consumir até...” são coisas diferentes. No que concerne à primeira designação, não é preciso deitar os alimentos fora se a data for ultrapassada (contanto que as “condições de conservação” sejam “respeitadas”). “Pode consumi-los com relativa segurança, tendo em atenção a textura, a cor, o sabor e o cheiro”, informa a Deco Proteste.

Não comer o ano todo aquilo que é de uma época específica

É a velha questão da sazonalidade das frutas e leguminosas. Pense, por exemplo, no morango. A sua estação é o Verão, mas, se quiser, consegue ir a um supermercado e comprar morangos no Inverno.

Os frutos e legumes que comemos fora da sua época normal são produzidos “de formas que não são tradicionais ou sustentáveis”, frisa Susana Mendes. “Se num terreno temos cenouras que aparecem de um dia para o outro, elas não foram cultivadas como os nossos bisavós as cultivavam; levaram com químicos que podem ser nocivos tanto para a saúde do ambiente como para a saúde humana.”

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Habituámo-nos a comer determinadas coisas de Janeiro a Janeiro, mas privilegiar fruta da época é essencial Pedro Cunha/Arquivo

Sabermos de onde vem (e como foi produzida...) a comida

Comer alimentos produzidos localmente é importante, pois o trajecto que fazem até chegarem aos nossos pratos é mais curto — e, como tal, “verde”, ou com menos emissões de gases com efeito de estufa. Mas tão importante como conhecer o país de origem de um produto alimentar é saber como foi produzido. Porquê? Porque, “por ser mais longo, o momento da produção tem um maior impacto ambiental do que o da distribuição”, diz Helena Real, da Associação Portuguesa de Nutrição.

Este alimento foi produzido de forma sustentável? Quais as quantidades de água e energia que foram consumidas? Usaram-se muitos fertilizantes? Como foi usado o solo? Estas são perguntas importantes. Infelizmente, reflecte Helena Real, ainda “é difícil chegar a esta informação”.

Mas há passos que começam a ser dados. Uma consultora ambiental francesa desenvolveu em 2021 uma ferramenta que visa ajudar os consumidores a ter uma dieta mais sustentável. O Eco-Score é uma pontuação ambiental de A a E que, tentando recolher dados sobre o ciclo de vida de diferentes alimentos, faz uma avaliação da sua pegada ecológica.​

E se comêssemos mais algas?

Leonel Pereira, investigador do pólo da Universidade de Coimbra do Mare, é um acérrimo defensor da ideia de que está na hora de introduzirmos as algas na nossa alimentação. Sendo “ricas em proteína”, elas representam uma “óptima alternativa às proteínas de origem animal e vegetal, das quais temos de começar a depender menos, porque já não abundam tanto”.

O professor universitário considera que atravessamos uma fase em que temos de “ultrapassar a barreira do preconceito”. “Há muita gente que continua a pensar que as algas são uma coisa estranha, mas de não estranho não têm nada”, diz.

As algas também fazem bem à saúde, tendo um “baixo conteúdo calórico”. “Temos de convencer o tecido empresarial a apostar fortemente na aquacultura de algas”, argumenta Leonel Pereira.

Ultra-sons para conservar alimentos?

Deixamos agora o domínio de coisas que estão ao alcance dos consumidores, para falar de um par de possíveis inovações.

Filipa Vinagre estuda a forma como os ultra-sons (sons cuja frequência excede a que os nossos ouvidos conseguem captar) podem ser usados na indústria alimentar para conservar alimentos e acelerar a pasteurização de algumas bebidas.

A investigadora do LEAF explica que, quando os ultra-sons atravessam certas bebidas, potenciam a inactivação de microrganismos e enzimas que podem ser responsáveis pela sua deterioração.

Um processo normal de pasteurização térmica faz a mesma coisa. Mas envolve um grande gasto energético, pois os alimentos são aquecidos a uma temperatura perto dos 100 graus Celsius.

O recurso a uma “unidade de ultra-sons” pode permitir que a indústria alimentar faça “pasteurizações térmicas moderadas”, em que já não é preciso chegar a temperaturas tão elevadas. O processo torna-se menos dispendioso e, portanto, mais “limpo”.

Portugal produz tanto vinho... E se fizéssemos “farinha de bagaço”?

A proposta é de três investigadoras da Universidade Lusófona de Lisboa. Maria Lídia Palma, Marisa Nicolai e Paula Pereira querem aproveitar o “subproduto da vinificação” — isto é, a película da uva, as suas grainhas e os pedúnculos, os ramos pequenos que juntam cada uva individual ao cacho — para produzir de forma sustentável farinha “rica em nutrientes”.

O ambiente ganharia. De repente, seria possível fazer farinha sem usar solos agrícolas, sem gastar o combustível que alimenta as máquinas que operam nesses mesmos solos agrícolas, sem consumir água...

Esta “farinha de bagaço”, como lhe chamam as investigadoras, já foi produzida em laboratório e experimentada, pelas próprias, em “pizzas, pão, hambúrgueres e bolachas”, por exemplo. Falta, agora, “um parceiro que industrialize a produção”.

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