Tribunal Constitucional espanhol trava reforma legislativa e abre crise institucional

Maioria de juízes conservadores do tribunal aceita providência cautelar do PP e impede votação no Senado de uma lei sobre a sua própria reforma.

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Pedro Sánchez, presidente do Governo de Espanha EPA/EMILIO NARANJO

“Sem precedentes.” É a frase que mais se lê desde segunda-feira à noite nos sites dos principais jornais de Espanha, depois de, pela primeira vez em democracia, o Tribunal Constitucional ter intervindo no processo legislativo antes de este estar concluído, e que até tinha como objecto o seu próprio funcionamento, inaugurando, dessa forma, uma crise institucional cuja dimensão ainda está por se perceber.

O Tribunal Constitucional espanhol decidiu aceitar uma providência cautelar apresentada pelo Partido Popular (PP), na oposição, e impedir a tramitação para o Senado das emendas ao Código Penal sobre os crimes de sedição e desvio de fundos públicos, introduzidas pelo Governo do Partido Socialista (PSOE) e do Unidas Podemos, e que iriam reformar a Lei Orgânica do Poder Judicial e a Lei Orgânica do Tribunal Constitucional.

Esta decisão inédita do tribunal espanhol, revelada na segunda-feira à noite, ao fim de nove horas de deliberação, foi aprovada por seis votos contra cinco e resultou de uma fissura entre a sua ala conservadora e a sua ala progressista.

Os seis magistrados conservadores (Pedro González-Trevijano, Antonio Narváez, Enrique Arnaldo, Concepción Espejel, Ricardo Enríquez e Santiago Martínez-Vares) validaram a posição do PP, que argumentava que o procedimento legislativo da reforma levada a cabo pelo Governo – nomeadamente o reduzido período de debate e de consultas no Congresso – violava o número 2 do artigo 23.º da Constituição, que versa sobre o direito dos deputados à participação política.

Quanto aos cinco juízes progressistas (Juan Antonio Xiol, Cándido Conde-Pumpido, María Luisa Balaguer, Ramón Sáez e Inmaculada Montalbán), que votaram contra a decisão do órgão colectivo, entenderam que estava em causa uma interferência inédita no processo legislativo e nas competências do Congresso.

“Hoje [segunda-feira] é um dia insólito para a democracia. A medida tomada pelo Tribunal Constitucional – sem ter ouvido, em nenhum momento, as Cortes Gerais [Parlamento] – de que tivemos conhecimento representa um triste ponto de viragem na história recente”, criticou o presidente socialista do Senado, Ander Gil.

“Em 44 anos de democracia, nunca as Cortes Gerais tinham sido despojadas da sua competência para legislar. A sua inviolabilidade fica, desta forma, gravemente comprometida. O processo legislativo foi interrompido”, lamentou ainda, num comunicado que fez ao país na segunda-feira à noite.

Félix Bolaños, ministro da Presidência, garantiu, no entanto, que o executivo vai obviamente respeitar a decisão do tribunal. Citado pelo site ElDiario, deixou, no entanto, críticas ao PP, dizendo que o partido conservador de “querer controlar o Parlamento sem maioria”.

Segundo o El Mundo, a direcção do PP, que acusa o presidente do Governo, Pedro Sánchez, de “ter urgência em controlar o poder judicial”, celebrou, naturalmente, a decisão: “Hoje triunfou o Estado de direito; hoje a nossa democracia saiu fortalecida.”

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