O que é a tarifa de carbono e como pode ajudar a transição energética?

A partir de 2026 (ou 2027, falta decidir), quem quiser exportar certos bens poluentes para a União Europeia terá de pagar pelo CO2 emitido durante a sua produção. Explicamos aqui este mecanismo.

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A tarifa, que será a primeira do seu tipo em todo o mundo, pretende ser um incentivo à descarbonização FRIEDEMANN VOGEL/EPA

Esta terça-feira, a União Europeia (UE) chegou a um acordo para impor uma tarifa de dióxido de carbono (CO2) sobre importações de diversos bens poluentes, incluindo aço, ferro, cimento e alumínio. A partir de 2026 (possivelmente), os importadores terão de pagar uma taxa para estes bens entrarem no mercado da UE, isto se durante a sua produção tiver sido emitido mais CO2 do que os parâmetros europeus permitem.

Com a tarifa, que será a primeira do seu tipo em todo o mundo — e que é designada como “mecanismo de ajuste de carbono nas fronteiras” (CBAM, na sigla em inglês) —, a UE quer, em termos de mercado, proteger as suas próprias indústrias, que estão obrigadas a ficar mais “verdes” rapidamente — o que exige adaptação e custos.

“Muitas das indústrias mais afectadas sentem que correm o risco de serem tratadas injustamente ao competirem com produtos concorrentes vindos de fora da Europa. Lembram que, se esses produtos não forem forçados a respeitar a mesma produção rigorosa em termos carbónicos, terão uma vantagem competitiva injusta”, explicava à Euronews, em Julho do ano passado (quando a proposta para a criação do CBAM foi apresentada em Bruxelas), David O’Sullivan, antigo embaixador da UE em Washington, nos Estados Unidos.

A UE espera que a tarifa permita “incentivar a adopção de boas práticas ambientais noutras zonas do globo”, como já referiu o eurodeputado Carlos Zorrinho, do Partido Socialista e relator-sombra da proposta.

Mohammed Chahim, membro do Parlamento Europeu que foi o principal interveniente da UE na mesa de negociações, tocou no mesmo ponto esta terça. “O CBAM será um pilar crucial das políticas climáticas europeias. É um dos únicos mecanismos que temos para incentivar os nossos parceiros comerciais a descarbonizarem as suas indústrias manufactureiras”, afirmou.

Como vai funcionar esta tarifa?

Numa fase inicial, a tarifa será aplicada a todas as importações de materiais de construção (cimento, ferro, aço e alumínio), electricidade, fertilizantes e, ainda, hidrogénio.

Começando em Outubro do próximo ano, os importadores que vendem estes bens poluentes terão de começar a prestar informação detalhada sobre a pegada carbónica dos seus produtos. Se, em princípio a partir de 2026, as emissões ultrapassarem aquilo que o mercado europeu permite, os produtores terão de pagar uma taxa, cujo valor será tão mais elevado quanto maior for a quantidade em excesso de CO2 libertado.

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Numa fase inicial, a tarifa será aplicada a todas as importações de materiais de construção como o aço TINGSHU WANG/Reuters

Por outras palavras, os importadores terão de adquirir um “certificado de emissões”, que essencialmente será um conjunto de licenças de emissão — aquelas que a quantidade em excesso de CO2 exigir. O “certificado” ficará pelo preço do CO2 na UE; o valor está sempre a oscilar, mas, no início de Dezembro, cada tonelada métrica de CO2 na UE custava cerca de 85 euros.

Com a aplicação do CBAM, a UE receberá dinheiro que, em parte, deverá usar para amortizar o pagamento do empréstimo que teve de pedir para financiar o Próxima Geração UE, plano de recuperação da crise pandémica orçado em 750 mil milhões de euros.

Preços podem subir

É possível que a energia, a gasolina, certas matérias-primas e determinados produtos do quotidiano encareçam com a implementação da tarifa. Mas o comissário europeu da Economia, Paolo Gentiloni, já falou no passado sobre querer que os derivados de combustíveis fósseis, cujo impacto ambiental é assinalável, fiquem mais caros. A ideia é, resumidamente, desincentivar o seu consumo.

Críticos do CBAM alegam que este mecanismo põe em causa as regras do comércio internacional, mas Bruxelas discorda. Embora a UE vá ganhar dinheiro com o pagamento das taxas, o comissário europeu da Economia diz que esta é uma medida enquadrada como ambiental e não fiscal.

Bruxelas argumenta que, acima de tudo, aquilo que pretende fazer com este mecanismo é um pouco de “diplomacia climática”. Num mundo ideal, diz, o CBAM nem entraria realmente em funcionamento; conseguiria logo convencer o resto do mundo a tornar as suas metas climáticas tão ambiciosas como as da UE.

China: pressionada ou beneficiada?

Os maiores defensores da tarifa esperam que, uma vez em vigor, coloque pressão sobre grandes poluidores como a China. Mas há quem ache que o país asiático poderá até beneficiar do mecanismo. Uma das pessoas com esta opinião é Henry Olsen, colunista do jornal The Washington Post.

Num artigo em que se debruça sobre as razões pelas quais acha que a tarifa é “uma ideia muito má”, Olsen lembra que é o facto de o carvão ser “significativamente mais barato do que outras opções” que leva a que muitos países em desenvolvimento o queimem para gerar electricidade. Algumas destas nações mais pobres, explica, “podem não ter o dinheiro necessário para financiar uma transição rápida para alternativas menos poluentes, como o gás natural” ou as mais limpas (mas também mais caras) energias renováveis.

Confrontados com a tarifa da UE, os países em desenvolvimento “procurarão novos mercados onde vender [os seus] produtos”, opina o colunista do The Washington Post, dizendo que a China é “suficientemente grande e rica” para se meter no meio desta equação. A menos que também adapte mecanismos alfandegários como o CBAM, muitas nações começarão a ver nela “o único país capaz de as ajudar”, acredita Henry Olsen.

O CBAM ainda necessita de algumas aprovações finais, mas os negociadores estão convictos de que haverá um acordo definitivo no início do próximo ano. Espera-se que a fase de teste do mecanismo (a que obriga os importadores a prestar informações sobre a pegada carbónica dos seus produtos, mas não os obriga a adquirir os “certificados de emissões”) acabe em 2026, ano em que o pagamento das taxas deverá começar a entrar em vigor, mas ainda falta decidir se o ano de implementação efectiva será 2026 ou 2027.

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