O Paciente Instável e o fetiche dos assassinos em série

Foi um ano interessante no crime televisivo em série. À falta de mais Mindhunter, The Patient põe um serial killer no divã do terapeuta Steve Carell.

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Domhnall Gleeson e Steve Carell como Alan Strauss Suzanne Tenner/FX

A ferida deixada aberta quando David Fincher e a Netflix puseram Mindhunter em pausa foi em parte preenchida e cauterizada por Steve Carrell e Domnhall Gleeson, que chegaram a Portugal no último dia de Novembro para serem, respectivamente, o terapeuta e O Paciente Instável. Numa interpretação dramática do conhecido actor cómico e numa actuação irónica do actor irlandês, a Disney+ recebeu uma série voraz sobre um criminoso que procura curar-se e que se irrita com Hannibal Lecter mas é obcecado com comida e se sente espelhado em Edmund Kemper, o muito real “co-ed killer”.

Foi um ano interessante no crime televisivo em série. Sem pensar nesse rio que nunca pára de correr no que toca aos procedurals criminais que encimam as audiências dos canais temáticos, em que a previsibilidade e o caso aberto e fechado numa hora são a chave, mas mais em estreias como as das séries limitadas Black Bird ou Shining Girls, da Apple TV+. Uma baseada num caso real que deu um livro, outra num livro de Lauren Beukes. Também houve Monster: The Jeffrey Dahmer Story na Netflix, claro.

Aqui, Joel Fields e Joe Weisberg, autores da importante The Americans, são a base da coisa. As opiniões podem divergir sobre se o elemento “assassino em série” é suficientemente chamativo — há um obscuro fascínio cultural por serial killers e isso é incontornável — ou sobre se a terapia funciona como mecanismo narrativo. Mas como sublinha Daniel Fienberg na Hollywood Reporter, “enterrado a um nível que não verão ninguém pôr num trailer, é uma exploração muito judaica de fé e arrependimento”.

É menos fácil encontrar quem discorde da qualidade da interpretação de Steve Carell, cujo drama pessoal mais pungente talvez não esteja no quarto onde está acorrentado por um psicopata em busca de cura mas sim na sua memória e no luto que faz da mulher e da harmonia familiar. Enquanto comem pho, comida indiana, bagels ou deliciosas especialidades tailandesas, refém e carcereiro conversam em crescendo. Primeiro em pequenos episódios de menos de 30 minutos, depois um pouco mais espraiados para lá da meia hora, num conjunto de dez capítulos que têm de ser vistos até ao final para se obter respostas sobre os vários protagonistas da história — que ultrapassam a pele porosa de Gleeson ou a barba cansada de Carell.

“Queríamos fazer algo que explorasse a terapia, a auto-exploração e o auto-conhecimento”, disse Fields ao New York Times. Daí até um terapeuta, um rapto, homicídios em catadupa e o judaísmo foi um saltinho, sempre na senda da “humanização de pessoas que estão ser desumanizadas”, completou Weisberg. De Dexter a Mindhunter, a tentativa de compreender os assassinos compulsivos ou de lhes dar um propósito ético povoa a ficção televisiva mas não iria encontrar em Domnhall Gleeson mais um fetichista dos serial killers. “Percebo o fascínio, mas acabam por ser postos numa espécie de estranho pedestal, onde são vistos como fascinantes”, disse ao diário nova-iorquino. Aqui não há absolvições fáceis nem actos de contrição claros. Mas há um bocadinho de humor, de vez em quando.

“Eu sei, é mau” é uma frase repetida por várias personagens na série que o canal FX estreou no Verão nos EUA. Chega quando chove e faz frio Portugal fora, não propriamente para uma aconchegante e animadora maratona televisiva, mas é um título que dificilmente se diz no passa-palavra profissional e pessoal já em curso: “É mau”.

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