Foram definidos os limites para a pesca de tubarões-anequim no Atlântico Sul

A proposta sucede a decisão histórica de 2021, que proibiu a captura desta espécie no Atlântico Norte durante dois anos. No Atlãntico Norte, Portugal é o segundo maior exportador de carne de tubarão.

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União Europeia e Reino Unido apresentaram a proposta para estender a proibição de captura de tubarões-anequim do Atlântico Norte para o Atlântico Sul Isaias Cruz

Numa decisão pioneira, a Comissão Internacional para a Conservação do Atum Atlântico (ICCAT, na sigla inglesa) estabeleceu esta semana uma quota para a pesca do tubarão-anequim, também conhecido por tubarão mako, no Atlântico Sul.

O limite de captura foi estabelecido dentro dos níveis recomendados pelos cientistas em 2019 – altura em que esta espécie foi classificada pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) como globalmente ameaçada – e fizeram-se adaptações para os diferentes países. A quota agora estabelecida quer reduzir os desembarques de espécies ameaçadas entre 40 e 60%, anunciou a Shark League for the Atlantic and Mediterranean em comunicado.

A decisão decorre de uma proposta apresentada pela União Europeia (UE) e pelo Reino Unido para estender a proibição de captura de tubarões-anequim do Atlântico Norte para o Atlântico Sul. A resistência da Namíbia e da África do Sul durante as negociações levou à imposição de limites de curto prazo.

“Finalmente, a ICCAT acabou com o vale-tudo que era a pesca de anequim do Atlântico Sul”, reage Ali Hood, directora de conservação do Shark Trust, no mesmo comunicado. “Embora mais permissivos do que uma proibição, os novos limites de desembarque de mako estão bem posicionados para alcançar uma redução substancial na pressão da pesca sobre a população do Atlântico Sul. Agradecemos ao Reino Unido e à UE por estimular essas negociações e levá-las a um resultado significativo, sobre o qual devemos construir contínua e ambiciosamente”, acrescenta.

A coordenadora do programa marinho do Ecology Action Centre​, Shannon Arnold, concorda que “a nova medida para o mako do Atlântico Sul é um passo importante em direcção ao tipo de plano de gestão que se justifica para um tubarão tão excepcionalmente valioso e vulnerável”.

“A alocação de uma quota entre os países baseada na ciência e dos procedimentos para evitar excessos são elementos sólidos de gestão da pesca que, francamente, é raro vermos para os tubarões oceânicos. É encorajador que a ICCAT esteja finalmente a superar os anos de estagnação e a avançar em direcção à liderança internacional a esse respeito”, remata Shannon Arnold.

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Portugal é o segundo maior exportador de carne de tubarão – mas também a consome

Alguns países com capturas de makos do Atlântico Sul relatadas em 2021 são, por ordem de magnitude, a União Europeia – nomeadamente, Espanha e Portugal – Namíbia, Brasil, África do Sul e Taipei Chinês.

Portugal é o segundo maior exportador de carne de tubarão, como reportado no passado mês de Junho pela Associação Natureza Portugal (ANP), em parceria com a World Wide Fund For Nature (WWF). A ANP/WWF alertou no mesmo relatório para o facto de este comércio, “não transparente”, ser pouco regulado.

Exportação é a principal função desempenhada por Portugal, que estabelece relações comerciais com grandes importadores e exportadores, como o Brasil, Itália, Espanha e Namíbia. Mas, por cá, o uso alimentar também existe e está em nomes como cação (designação geral usada para a carne de vários tipos de tubarão), e tintureira (tubarão-azul) que, por não serem óbvios, fazem com que muitas pessoas não notem que estão, de facto, a consumir carne de tubarão. Associada, está ainda a produção de cosméticos, suplementos alimentares e elementos de decoração.

Alguns meses antes da proibição da captura de tubarões-anequim no Atlântico Norte, Portugal baniu o desembarque de mako provenientes dessa zona. Esta proibição, juntamente com a nova quota que visa reduzir as capturas em 40 a 60%, terá “um impacto substancial” a nível económico e ambiental, admite Sonja Fordham, presidente da Shark Advocates International, ao PÚBLICO. Mas depende do cumprimento por parte de cada país.

Vigilância em alto-mar não será reforçada

Em 2019, a Greenpeace já tinha alertado Portugal e Espanha para o facto de estes fazerem pesca excessiva na zona do Atlântico Norte e colocarem a população de tubarões dessa zona em risco. E, após a captura de tubarões-anequim se ter tornado proibida no Atlântico Norte, a mesma organização ambiental acusou, este ano, ambos os países de aí pescarem crias de tubarão-azul, dizendo, em comunicado, que isso era facilitado devido à falta de regulação sobre tamanhos mínimos de captura, comprimento das artes de pesca ou número máximo de anzóis no Atlântico Norte.

Na generalidade, a regulação é fraca. Os Estados Unidos já fizeram tentativas de delimitar os tamanhos em que os tubarões podem ser capturados, mas, segundo esclarece Sonja Fordham numa resposta por e-mail ao PÚBLICO, a ICCAT não tem, actualmente, qualquer regulação internacional, e a nova lei também não tem isso em conta. Contudo, acrescenta, “os interessados são livres de estabelecer limites de tamanho”.

“No geral, limites de tamanho podem ser usados para proteger tubarões em fases vulneráveis da vida (às vezes juvenis, às vezes fêmeas maduras), mas são geralmente insuficientes para a conservação sem limites gerais de captura”, justifica Fordham.

Também a questão da vigilância se coloca aqui: no ano passado, o Pessoas-Animais-Natureza (PAN) levou o assunto à Assembleia da República. Ao mesmo tempo que propunha a proibição da captura de tubarão-anequim, o PAN sugeriu a monitorização electrónica remota (MER) dos barcos de pesca. Esta proposta de instalação de câmaras de vigilância foi, entretanto, aprovada, mas o mesmo não aconteceu com a de proibição da captura de makos.

Apesar de não existirem planos para reforçar a vigilância e impedir a pesca ilegal ou não regulada, a ICCAT planeia, em 2023, reforçar o cumprimento da lei através de uma avaliação mais próxima das pescas, em que as empresas preenchem uma “folha de controlo” para reportarem as suas actividades, revela a presidente da Shark Advocates International.

Uma espécie tão valiosa quanto vulnerável

Sendo o tubarão-anequim uma espécie ameaçada, o Apêndice II da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies Silvestres Ameaçadas de Extinção (CITES) exige que as entidades envolvidas na captura e comércio desta espécie demonstrem que as suas exportações – incluindo desembarques em alto mar – são originárias de pesca legal e sustentável.

As análises de especialistas da CITES na União Europeia levaram a reduções na captura de tubarão-anequim em 2021 e, refere o comunicado da Shark League, “parecem ter motivado a proposta da UE de uma proibição da ICCAT no Atlântico Sul este ano”.

Os tubarões-anequim são considerados altamente valiosos pela carne e por serem uma atracção no mergulho desportivo. Também as suas barbatanas são altamente cobiçadas e levam à existência de um tipo de pesca designado por “finning” (que vem de fin, o inglês para “barbatana”), em que o pescador corta as barbatanas do tubarão a bordo, antes de o devolver ao mar. Sem mobilidade, o animal acaba por morrer por hemorragia e asfixia.

Apesar de a prática estar proibida na União Europeia desde 2003, a legislação foi reforçada em 2013, impondo que todos os tubarões devem desembarcar ainda com as barbatanas no corpo. Contudo, a lei não contempla o que acontece posteriormente, já em terra, onde a comercialização de carne e barbatanas prossegue.

Os tubarões mako crescem de forma lenta e atingem a maturidade sexual relativamente tarde. Aí, desovam a cada três anos e têm ninhadas de quatro a 16 crias após um período de gestação de cerca de um ano e meio. São características que tornam esta espécie particularmente vulnerável à sobrepesca.

Texto editado por Andrea Cunha Freitas

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