Educar sem… medo

A infância não deve ser como a fruta amadurecida à pressa para entrar mais rapidamente no mercado. A fruta tem de amadurecer no tempo certo: no tempo da infância.

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As crianças devem ser estimuladas, mas não é por serem superestimuladas que aprendem mais, mais depressa e melhor DR/Kristin Brown via Unsplash

Quando falo com os pais que estão à procura de uma escola para os filhos, há uma palavra que surge frequentemente: medo. Os pais têm medo que os filhos não se adaptem facilmente quando entram na educação pré-escolar, têm medo que não consigam deixar a fralda antes do início do ano letivo, têm medo da transição para o 1.º Ciclo, têm medo que tenham dificuldades na aprendizagem da leitura… e têm medo da passagem para o 5.º ano.

Que os pais se preocupem com a entrada dos filhos, aos três anos, para a educação pré-escolar, parece-me natural, tal como que queiram saber como se processa esta fase, procurando perceber se podem acompanhar os filhos até à sala de manhã e como decorre toda a rotina diária. O que já me parece excessivo é uma inquietação tão prematura com a transição para os restantes níveis de ensino. Se a criança ainda nem entrou para os três anos, como poderemos saber como se irá adaptar à escola quando tiver seis anos ou quando tiver 10?

Mas há outras preocupações que, na verdade, me preocupam (e aqui a redundância nas palavras é propositada). Quanto ao desfralde, a questão é perceber se existe algum motivo para pensar que poderá correr mal. Já tentaram e não correu bem? Existe algum problema fisiológico ou de desenvolvimento? A resposta dos pais a estas perguntas habitualmente é não: ainda não tentaram, nem existe nenhum problema. Perante esta resposta, a pergunta que se impõe é: por que não haveria de correr bem?

Claro que, durante o processo de desfralde, vai haver percalços e noites mal dormidas, como é normal. Mas todos temos de passar por isso, aproveitando, de preferência, a Primavera e o Verão, estações do ano mais propícias para lidar com os contratempos. Trata-se de um processo natural que costuma correr de forma normal e, se não correr, estará na altura de a família e a escola unirem esforços para que corra pelo melhor.

Perante a preocupação com a possibilidade de haver dificuldades na aprendizagem da leitura e da escrita, também costumo questionar sobre a existência de algum indício ou problemática. A maior parte das vezes não há nada de concreto, apenas a experiência do pai ou da mãe que não correu bem ou a existência de dislexia na família. Estas informações são relevantes e é importante partilhá-las com a escola, para que haja maior atenção. Mas não são determinantes.

A maioria das crianças aprende a ler e a escrever no tempo expectável e, quando tal não acontece, geralmente é uma questão de ritmo de aprendizagem, pelo que com mais tempo e apoio pedagógico, tudo se vai resolvendo. Quando as dificuldades persistem, é necessário intervir atempadamente e solicitar uma avaliação da criança, para despistar eventuais problemáticas e delinear o acompanhamento mais adequado para a ajudar a superar as dificuldades. Mas estes casos estão longe de corresponder à maioria.

Quanto às preocupações com a transição para os ciclos de ensino subsequentes, parecem-me prematuras. Cada coisa a seu tempo. E, para que tudo corra bem no futuro, é muito importante uma infância bem vivida, ou seja, uma infância em que cada criança tenha oportunidade de viver cada uma das fases do seu desenvolvimento. Tudo isto para dizer que não é por pré-escolarizarmos demasiado a educação pré-escolar, com excessivas exigências preparatórias para a fase que se aproxima que a criança vai ficar mais bem preparada.

Naturalmente, as aprendizagens previstas para a educação pré-escolar são relevantes e podem contribuir para facilitar as aquisições no 1.º Ciclo, mas não é necessário antecipar o modelo vigente na escolaridade obrigatória, escolarizando prematuramente as crianças, de acordo com a lógica aditiva do quanto mais e, se possível, quanto mais cedo, melhor. Porque não é necessariamente assim e, por vezes, exigências excessivas demasiado cedo até podem contribuir para que as crianças conotem a aprendizagem com algo de fastioso e de difícil.

As crianças devem ser estimuladas, mas não é por serem superestimuladas que aprendem mais, mais depressa e melhor. A infância não deve ser como a fruta amadurecida à pressa para entrar mais rapidamente no mercado. A fruta tem de amadurecer no tempo certo: no tempo da infância. E uma infância feliz e bem vivida é um património imaterial que nos alimenta pela vida fora. A infância é o nosso chão. E, da qualidade desse chão, depende em grande parte a qualidade das paredes e do teto com que se constrói um ser humano.

Também o 1.º Ciclo não deve estar ao serviço do 2.º Ciclo, tentando antecipar prematuramente currículos ou metodologias de trabalho. O 1.º Ciclo faz muito pela aprendizagem subsequente se corresponder aos objetivos deste nível de ensino, assente na qualidade das aprendizagens de base, no desenvolvimento de competências como a autonomia, a responsabilidade e a empatia, bem como de ferramentas relacionadas com a gestão do tempo, a metodologia de investigação e a aprendizagem de processos de estudo.

Para que todas estas transições se processem da melhor forma, ainda é necessário acrescentar alguns ingredientes secretos, que não se veem nem se medem, mas que são tão ou mais relevantes do que os restantes. Entre estes, merece especial destaque a confiança.

A educação não é um ato de medo, mas sim de coragem. E as crianças necessitam de sentir que os seus adultos de referência têm confiança no próprio ato de educar. Podemos ter dúvidas, podemos não fazer sempre tudo bem, mas até isso faz parte de um processo no qual, acima da palavra medo, deverá prevalecer a palavra confiança.


A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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