Direito ao aborto nos EUA reforçado nas urnas: “O aborto transcende linhas partidárias”

Kentucky, Michigan, Carolina do Norte, Vermont e Montana, estados republicanos, estados democratas, em todos os eleitores decidiram proteger o direito à interrupção voluntária da gravidez.

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Os festejos das apoiantes da proposta que consagra o direito ao aborto na constituição do Michihgan Reuters/EVELYN HOCKSTEIN

Em Junho, horas depois de os juízes do Supremo Tribunal aprovarem a reversão da decisão do caso Roe vs. Wade, abrindo a porta a que o aborto viesse a ser proibido em muitos estados norte-americanos, o Presidente, Joe Biden, lamentando um retrocesso de 150 anos, afirmava: “Este Outono, Roe vai a votos”. Além das corridas para o Congresso dos Estados Unidos, com muitos candidatos democratas a insistirem no tema durante a campanha, nas eleições intercalares desta terça-feira, houve cinco estados que realizaram referendos sobre o direito ao aborto – em todos, a escolha dos eleitores foi a de afirmar ou reforçar esse direito.

Nas primeiras eleições gerais desde a decisão do Supremo, o aborto foi directamente a votos no Kentucky, Michigan, Carolina do Norte, Vermont e Montana. A maior surpresa, nota o jornal The Washington Post, chegou do Kentucky, um estado expressivamente republicano onde os eleitores chumbaram uma emenda (apoiada pelos republicanos locais) que propunha instaurar uma proibição total do aborto, no que poderá ter sido o primeiro passo para restaurar o acesso à interrupção voluntária da gravidez num dos estados com leis mais restritivas de todo o país.

No também claramente republicano Montana, propunha-se impor penas criminais aos prestadores de cuidados de saúde que não fizessem todos os esforços para salvar a vida de um bebé “nascido durante uma tentativa de aborto” ou depois do parto (mesmo sem possibilidade de sobrevivência); na prática, segundo os activistas do direito ao aborto, a consequência seria uma proibição total.

Tamarra Wider, directora estadual da organização Planned Parenthood Alliance Advocates do Kentucky, considera que destas eleições saiu “uma mensagem unificadora”: “O aborto transcende linhas partidárias”, afirmou ao Post. Durante a campanha, conta, a sua equipa encontrou eleitores republicanos preocupados com a dificuldade de muitas mulheres em aceder a cuidados de saúde no estado, admitindo votar contra o seu partido nesta consulta.

O Michigan foi um dos estados onde o tema esteve mais em foco na campanha, com a governadora Gretchen Whitmer, que tentava a reeleição, a assumir a defesa do direito ao aborto como uma das suas principais propostas. Whitmer foi reeleita e uma maioria dos eleitores aprovou uma proposta que emenda a constituição do estado para consagrar o “direito individual à liberdade reprodutiva, incluindo o direito de tomar e executar todas as decisões sobre a gravidez”.

No Vermont, o objectivo da proposta que foi a votos é o mesmo: com a alteração aprovada, a partir de agora a constituição dirá que “o direito individual de uma pessoa à sua autonomia reprodutiva é central à liberdade e à dignidade” e “não será negado ou infringido excepto se justificado por um interesse premente do estado”. Já na Califórnia, a constituição passará a proteger o direito individual à liberdade reprodutiva “nas suas decisões mais íntimas”, o que inclui o direito ao aborto e ao acesso a contraceptivos.

Muitos se questionaram durante a campanha se os candidatos democratas que insistiam no direito ao aborto não estariam a ignorar a verdadeira preocupação dos eleitores, que seria o estado da economia. Segundo as sondagens à boca das urnas, o aborto é uma preocupação relevante para uma grande parte dos eleitores norte-americanos: de acordo com a sondagem da Edison Research, seis em dez dizem ter ficado “insatisfeitos ou zangados” com a decisão do Supremo, enquanto três em dez apontam o aborto como a sua principal preocupação no momento de decidir o voto – exactamente o mesmo número de eleitores que respondem “inflação” à mesma pergunta.

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