Governo egípcio pressionado por situação de activista preso em greve de fome

Desde o golpe militar de 2013, dezenas de milhares de activistas foram presos e centenas de sites bloqueados. Sem liberdades não há luta pelo clima, dizem responsáveis pelos direitos humanos.

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O activista egípcio All Abd el-Fattah está na prisão, em greve de fome desde Abril deste ano Omar Robert Hamilton/REUTERS

Ao terceiro dia, a questão dos direitos humanos está a subir de tom na 27.ª Cimeira do Clima das Nações Unidas (Conferência das Partes – COP27), em Sharm el-Sheikh, no Egipto, um Estado acusado de estrangular as vozes dissidentes e que, desde 2013, com a tomada do poder pelos militares e a subida de Abdul Fattah al-Sisi à presidência, fez dezenas de milhares de presos políticos. Um dos pontos mais importantes é a sobrevivência de Alaa Abd el-Fattah, o famoso activista com nacionalidade egípcia e britânica, que passou a maior parte da última década preso.

Desde Abril último, Abd el-Fattah mantém uma greve de fome restrita, tomando apenas um copo de chá e uma colher de mel todos os dias. Já numa situação frágil, depois de meses de restrição, o egípcio parou de ingerir alimentos a 1 de Novembro e no domingo, marcando o início da COP27, deixou de beber água, pondo em risco a sua vida num protesto silencioso pelos direitos humanos do seu país.

Alguns governantes presentes na COP27 levantaram esta questão. “É preciso tomar uma decisão, a libertação tem de ser tornada possível, para que não se chegue ao ponto da morte do grevista da fome”, disse nesta terça-feira o chanceler alemão, Olaf Schloz, aos jornalistas, segundo a agência noticiosa Reuters, garantindo que levantou a questão na cimeira.

Também o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, disse ter falado sobre a questão ao Presidente egípcio Abdul Fattah al-Sisi na segunda-feira. Sendo Abd el-Fattah também cidadão britânico, esta é uma questão especialmente delicada ao nível da diplomacia dos dois países.

O antigo embaixador britânico no Egipto John Casson é crítico sobre a posição do seu Governo em relação à actual crise. “Isto não é apenas uma daquelas coisas cruéis que acontecem, é criada devido às escolhas tomadas pelas pessoas no Egipto”, adiantou o ex-diplomata, que esteve no Egipto entre 2014 e 2018, citado pelo jornal britânico The Guardian. “É um dever fundamental do Governo proteger os nossos cidadãos e realmente não sei o que mais se pensa que se está a proteger ao refrearmo-nos nesta fase. Este é o momento para a pressão máxima.”

Também o Presidente francês, Emanuelle Macron, referiu que o Presidente al-Sisi estava “comprometido” a assegurar a “saúde” do activista e esperava que “houvesse resultados nas próximas semanas e meses”, adiantou a agência France Press (AFP). Já Sameh Shoukry, ministro dos Negócios Estrangeiros egípcio e presidente da COP27, disse ao canal norte-americano CNBC que “estava confiante de que as autoridades prisionais iriam providenciar os cuidados de saúde” ao activista que todos os reclusos recebem. “Esta é uma questão de escolha pessoal, e mais uma vez é lidada dentro do sistema penal, dentro das regras e dos regulamentos que o governam”, acrescentou.

Egipto bloqueou sites

Abd el-Fattah é um caso proeminente de um regime acusado de estrangular a sociedade civil desde o golpe de Estado militar de 2013, que derrubou Mohamed Morsi, o primeiro Presidente democraticamente eleito no país. Desde então, mais de 60.000 pessoas foram presas pelo regime de Abdul Fattah al-Sisi​, de acordo com as organizações de direitos humanos, e muitos fugiram para fora do país.

É neste contexto que a Cimeira do Clima acontece, tendo havido muitas críticas às Nações Unidas por terem deixado que a conferência acontecesse no Egipto e pelos governantes internacionais não terem exigido às autoridades egípcias nenhuma mudança na sua política de direitos humanos em contrapartida à realização do encontro.

Na segunda-feira, o The Guardian dava conta de que os participantes na COP27 não conseguiam aceder ao sítio na internet da Humans Right Watch, começando a experienciar o que o resto da população egípcia vive há anos. Há pelo menos 600 sites bloqueados, entre os quais o canal noticioso Al-Jazeera. Esta terça-feira já era possível aceder ao sítio da Humans Right Watch, pelo menos em Sharm el-Sheikh.

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Sanaa Seif, irmã de Abd el-Fattah, numa conferência nesta terça-feira em Sharm-el-Sheik SEDAT SUNA/EPA

Aproveitando os holofotes mundiais, surgiu uma pressão renovada sobre o regime egípcio. Na segunda-feira, três jornalistas anunciaram uma greve de fome exigindo a libertação do activista egípcio. “Parámos de comer porque Alaa Abd el-Fattah está em perigo de morte”, disse Mona Selim à AFP, numa assentada em Cairo, com Eman Ouf e Racha Azab.

Não se sabe o estado de saúde de Abd el-Fattah. Todas as segundas-feiras, o activista entregava uma carta à sua família. Mas esta segunda-feira Laila Soueif, a sua mãe, não recebeu a carta semanal. “Eles alegam que ele se recusou a entregar uma carta, que ele não está mal mas que ele não vai enviar a carta”, disse Soueif, numa mensagem de vídeo, citada pela Reuters. “Não tenho qualquer prova física que Alaa está vivo e consciente.”

Entretanto, num painel sobre direitos humanos realizado no pavilhão alemão da COP, ocorrido nesta terça-feira, a situação humanitária do regime egípcio foi abordada no contexto da crise climática. “A acção climática necessita mais pessoas nas ruas, mais vozes, mais investigação independente”, defendeu Tirana Hassan, directora executiva da Humans Right Watch. “Isso não vai acontecer sob governos como o actual Governo egípcio, que está a estrangular a sociedade civil, o jornalismo independente e a academia.”

Sanaa Seif, irmã de Abd el-Fattah, também integrou o painel. Ela própria uma activista, presa mais de uma vez pelo regime egípcio, aproveitou uma questão sobre a relação entre os direitos humanos e a luta pelo clima para ler parte de uma carta escrita pelo irmão.

“Se nos juntarmos à volta da esperança por um futuro melhor, um futuro em que pomos um fim a todas as formas de desigualdade, essa consciência global vai transformar-se numa energia positiva. A esperança, aqui, é uma acção necessária, é provável que os nossos sonhos róseos não sejam realizados, mas se vivermos à sombra dos nossos pesadelos, seremos mortos pelo medo antes sequer da chegada da enchente”, leu Sanaa Seif. E depois disse: “Espero que ele esteja a salvo, espero que ele esteja entre nós. Acho que precisamos das suas ideias e de pessoas como ele para enfrentar esta crise.”

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