A COP27 tem tudo para dar errado

Esta Cimeira do Clima (COP27) é ensombrada pela guerra e pela crise. Além dos desenvolvimentos no mercado energético mundial, há várias razões para não gostar dela, a começar pelo país organizador.

São 8h45 e acordo meio sonolento. Olho pela janela e vejo terreno, árido e amarelado, povoado por casas, também elas amareladas, cada vez mais concentradas. Todas têm antenas, muitas antenas, uma boa parte, parabólicas. O comandante fala para a tripulação, estamos prestes a aterrar Marraquexe.

Estamos em Novembro de 2016 e eu estou prestes a participar na minha primeira a conferência das partes das Nações Unidas sobre as alterações climáticasa COP22, que se seguiu à do famoso Acordo de Paris – para falar a políticos e decisores internacionais sobre os benefícios de envolver os cidadãos no investimento em energias renováveis e projetos de sustentabilidade.

O meu entusiasmo está, no entanto, comprometido pela notícia que assombra toda a COP22: Donald Trump acaba de ser eleito Presidente dos Estados Unidos e um dos seus primeiros anúncios foi o de que não ratificará o Acordo de Paris.

O ambiente na conferência é morno, quase frio. Aquela que prometia ser uma COP decisiva, depois de tantos anos de negociação e de um acordo quase impossível em Paris (com um papel preponderante de Barack Obama), vivemos um volte-face gigantesco.

Acompanhe a COP27 no Azul

A Cimeira do Clima das Nações Unidas é o ponto mais alto da diplomacia em torno das alterações climáticas, onde os países discutem como travar as emissões de gases com efeito de estufa que causam o aquecimento global. Este ano é no Egipto, de 6 a 18 de Novembro. Acompanhe aqui a Cimeira do Clima. 

Fez-se o que foi possível sem um dos maiores poluidores e potência económica mundial. Os países participantes começaram a comprometer-se com objetivos específicos, mas voltamos a um contexto político e social que voltou a permitir discutir-se as alterações climáticas como se de uma opinião se tratasse.

Um contexto complicado

Seis anos depois, e com cinco outras COP mais ou menos ambiciosas pelo meio, começa esta semana a COP27, no Egito. Como todas as outras, é mais uma grande oportunidade para a humanidade tomar decisões que influenciarão o futuro do planeta, da nossa espécie e de grande parte das outras.

Há poucos dias conhecemos um relatório que confirma que a temperatura está a subir globalmente mas que na Europa sobe ao dobro do ritmo do resto do mundo. Curioso é que já sabíamos que assim era desde 2004. O imperioso é agir, e rápido.

Mas esta COP tem lugar num momento muito difícil, ensombrada por um contexto de guerra e crise. A ilustrá-lo estão os recentes desenvolvimentos no mercado energético mundial, com vários países, como a China ou a Alemanha, a anunciarem o regresso ao carvão ou o abandono/abrandamento do phasing out em curso, ou vários países europeus – tradicionalmente os líderes na campanha pela adoção das renováveis – a pressionarem nações africanas para produzirem mais gás natural com receio do inverno que se aproxima.

Às dificuldades causadas pela crise energética e económica, juntam-se também as diplomáticas, potenciadas por episódios mais ou menos recentes, como a invasão da Ucrânia pela Rússia ou a visita de Nanci Pelosi ao Taiwan. É muito difícil imaginar, neste contexto os dois maiores poluidores mundiais, China e os EUA, a colaborar pelo clima.

O que está em jogo?

Nesta COP27, como em todas, há objetivos específicos e duas semanas de negociações para os alcançar. A visão da presidência da COP, neste caso do Egito, é que esta é uma COP de passagem das “negociações à planificação da implementação”.

O desafio é enorme já que quase todos os países (193) acordaram em Glasgow no ano passado a apresentação de objetivos ambiciosos para mantermos o aumento da temperatura média global em 1,5 graus Celsius. No entanto, apenas 24 países os entregaram às Nações Unidas até agora.

Nesta COP espera-se um papel forte dos países “em desenvolvimento” (uso aspas citar o termo usado pela ONU, que não creio ser o mais adequado), que formam um grupo chamado G77 (liderado este ano pelo Paquistão) e que manterá bem acesa a já clássica reivindicação de que cabe aos países desenvolvidos compensar os danos que causaram e financiar em massa o seu desenvolvimento limpo, uma vez que poucas responsabilidades têm no que respeita às alterações climáticas. Um argumento com o qual a China costuma também alinhar.

Também os países insulares deverão fazer-se ouvir, pois encontram-se entre os países mais vulneráveis às alterações climáticas e à subida do nível do mar. Já em 2021 o ministro da Justiça de Tuvalu chamou a atenção da conferência com o início dramático e realista do seu discurso sobre a necessidade de ação.

Um dos objetivos traçados está também relacionado com os planos de adaptação às alterações climáticas, que têm implícito que, pelo menos em parte, já falhámos no objetivo de as conter. Os países participantes deverão mostrar como evoluíram na preparação e/ou implementação destes planos e será também discutido o financiamento destas medidas de adaptação.

Outro dos tópicos quentes, e muito referido recentemente em diferentes meios sobre o tema, diz respeito aos pagamentos de “loss and damage” (em português “perda e danos”), que vem reconhecer a necessidade de compensação (também financeira) a países que já sofreram danos causados pelas alterações climáticas.

Várias razões para não gostar desta COP

Além de ser tão necessária e desafiante, há ainda várias razões para não gostar desta COP, começando pelo país organizador. Temos as Nações Unidas a reunir “democraticamente” num país com um Presidente que chegou ao poder com um golpe militar e lidera um regime ditatorial onde a oposição não só é proibida como perseguida.

Há também os patrocinadores. Se parece desde logo estranho uma COP precisar de patrocinadores, é no mínimo irónico que a Coca-Cola, principal poluidor de plástico mundial, seja um deles. Tampouco é nada de novo já que na COP16 foi a Unilever, o terceiro maior poluidor.

Toda a esperança de que a nível internacional, e sobretudo nas Nações Unidas, exista um cuidado maior com o greenwashing do que existe em Portugal, caiu assim por terra. Parece que vale tudo para comprar a desculpabilização.

A tudo isto podemos ainda juntar que vamos ter mais de 30.000 pessoas a voar de todas as partes do mundo durante 12 dias para um destino turístico paradisíaco (Sharm-el-Sheik) implantado entre o deserto e o mar, para discutir um problema que as suas viagens ajudam a criar.

A esperança é a última a morrer

Ainda assim, e apesar de tudo, a COP27 é a nossa melhor esperança de ação a nível global. Seria formidável acabar a COP27 com o compromisso de 100 mil milhões de dólares de apoio anual aos países “em desenvolvimento” para mitigação e adaptação das alterações climáticas, com um compromisso de ambição reforçada de todos os países participantes, com os planos de ação fechados e prontos a começar. Com mais países a assumir o objetivo de ser “net-zero” e/ou 100% renováveis a médio prazo.

Se assim não for, estamos entregues a nós próprios e há muito que podemos fazer. E essa é a mensagem que fui passar à COP em 2016.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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