Católicos superam protestantes pela primeira vez na Irlanda do Norte

Resultados dos censos mostram que 45,7% da população do território norte-irlandês tem ascendência católica. Quanto à identidade, 32% vêem-se como britânicos e 29% como irlandeses.

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Divisões religiosas estiveram no centro do conflito de 30 anos na Irlanda do Norte Reuters/CLODAGH KILCOYNE

Pela primeira vez desde que há estudos aprofundados sobre o recenseamento demográfico na Irlanda do Norte, a população de ascendência católica supera a de ascendência protestante. O Censos 2021, divulgados esta quinta-feira, mostra que 45,7% dos norte-irlandeses se identifica ou foi criado num contexto católico e que 43,48% vem de um meio protestante.

No Censos 2011 a população protestante andava na casa dos 48%, ao passo que a população católica se mantinha próxima dos 45%.

Esta alteração demográfica é particularmente importante, quer em termos históricos, quer no actual e futuro contexto político-constitucional do território que pertence ao Reino Unido.

O sistema político norte-irlandês resulta de um acordo de paz, firmado em 1998 (Acordo de Sexta-Feira Santa), que pôs fim a três décadas de conflito (os Troubles) entre protestantes unionistas e republicanos nacionalistas, e que tirou a vida a mais de três mil pessoas. O sistema pressupõe um governo de partilha de poder entre as duas comunidades.

Todas as eleições desde 1998 foram vencidas por partidos unionistas. Mas, em Maio desde ano, o Sinn Féin, antigo braço político do Exército Republicano Irlandês (IRA) e partido pró-reunificação, foi a força política mais votada, num claro sinal de alterações geracionais no território.

O partido republicano só não lidera o actual governo porque o Partido Unionista Democrático (DUP), que ficou em segundo lugar nas eleições, depois de ter vencido todas as votações anteriores desde 2003, recusa viabilizá-lo, argumentando que é preciso resolver primeiro os problemas relacionados com o sistema aduaneiro pós-“Brexit”.

Depois da vitória eleitoral, a liderança do Sinn Féin garante que há condições para organizar um referendo sobre a reunificação com a República da Irlanda, em ambos os lados da fronteira, “dentro de um período de cinco anos”.

“Os resultados dos censos de hoje são mais uma clara indicação da mudança histórica que está a acontecer em toda a ilha”, afirmou o deputado do Sinn Féin John Finucane, em declarações reproduzidas no site do partido.

“Não há dúvidas de que a mudança está em curso e é irreversível”, garantiu. “Podemos todos fazer parte da transformação de um futuro melhor: um novo futuro constitucional e uma nova Irlanda. O Governo irlandês deve estabelecer uma Assembleia de Cidadão para planear a possibilidade de um referendo de unificação”.

Novas tendências?

Mas apesar de a tendência das últimas décadas mostrar que a população católica costuma votar mais em partidos e ideias nacionalistas e que a população protestante tende a optar por forças e programas unionistas, a diminuição da população desta última comunidade não significa, necessariamente, que o caminho para a reunificação é absolutamente inevitável.

Não só o Sinn Féin venceu as eleições – em Maio, na Irlanda do Norte, e em 2020, na vizinha República da Irlanda – deixando o tema da reunificação para segundo plano, como o Partido da Aliança, centrista e não-alinhado com o nacionalismo ou o com unionismo, duplicou a sua representação na Assembleia na Stormont, mostrando que as divisões antigas estão a perder força entre as novas gerações.

Por outro lado, a fragmentação da população revelada pelo Censos 2021 no que toca à sua identidade não permite tirar conclusões muito definitivas sobre qual seria o sentido de voto dos norte-irlandeses num cenário hipotético de referendo à reunificação.

O inquérito, realizado pela Agência de Estatísticas e de Investigação da Irlanda do Norte, mostra que 32% dos norte-irlandeses se identificam como “britânicos”, 29% dizem ser “irlandeses” e 20% descrevem-se com “norte-irlandeses”. Os restantes identificam-se com mais do que uma das categorias anteriores.

Debate pós-“Brexit”

O debate constitucional sobre o posicionamento da Irlanda do Norte no Reino Unido ganhou novo fôlego durante o processo de saída dos britânicos da União Europeia e desde que esta foi consumada, em Janeiro de 2020, tem feito reemergir alguns dos antigos fantasmas da violência sectária.

Apesar de 55,8% dos eleitores da Irlanda do Norte terem votado contra o “Brexit”, no referendo de 2016, o DUP juntou-se ao movimento brexiteer e apoiou praticamente todos os esforços do Governo do Partido Conservador para cumprir essa meta.

Mas a opção do então primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, em acordar com Bruxelas um sistema em que a Irlanda do Norte se mantém alinhada com as regras europeias (ou seja, com as regras aplicáveis na vizinha República da Irlanda) e tem de realizar controlos alfandegários aos produtos oriundos da Grã-Bretanha (Inglaterra, País de Gales e Escócia), deixou o universo unionista norte-irlandês em choque e a temer o crescimento dos apoios a uma reunificação política da ilha irlandesa, nem que seja por motivos de índole comercial ou regulatória.

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