Há fogo na serra: vamos aumentar as penas de prisão?

Aquilo que as penas não fazem, infelizmente, é combater incêndios, reformar a floresta, aproveitá-la economicamente, reorganizar o território, repovoar o interior ou resolver a emergência climática.

Neste Verão politicamente quente, em que a temperatura ameaça continuar a subir, as nossas florestas não param de arder. Perante as chamas incessantemente transmitidas na televisão, os pirómanos deleitam-se; nós choramos! Vamos aumentar as penas de prisão para os incendiários?

Numa das mais belas passagens das “Cartas a Um Jovem Poeta”, Rainer Maria Rilke escreve que “os homens têm, para todas as coisas, soluções fáceis e convencionais, as mais fáceis das soluções fáceis. Contudo, é evidente que se deve preferir sempre o difícil: tudo o que vive lá cabe”.

Recordo frequentemente este trecho quando reflito sobre os desafias que a vida me coloca a mim e aos meus filhos, mas, sobretudo, quando penso nos desafios que o nosso país enfrenta, sempre concluindo que a sentença do poeta tem plena aplicação à forma atávica como em Portugal se faz política e se gere a res publica. Há dois ou três exemplos seminais desta nossa neurose coletiva que ora nos faz escolher o mais fácil do fácil, ora nos leva ao outro extremo.

No pico do Verão, quando a Serra da Estrela ardia, voltou a propor-se o aumento da moldura penal para o crime de incêndio florestal, chegando-se a comparar os autores dos fogos postos a terroristas, deixando-se no ar a ideia de que o melhor para estes criminosos era a prisão perpétua. Salvo o devido respeito pelas mais variadas opiniões e sensibilidades que convivem numa sociedade pluralista, e dando até o benefício da dúvida por se tratar de um tema sensível e emotivo para os portugueses, principalmente desde 2017, tenho sérias reservas de que o aumento da moldura penal do crime de incêndio seja necessário ou eficiente.

Vejamos os factos: segundo os dados do ICNF, entre 2012 e 2021 a média dos incêndios investigados cuja causa pode ser atribuída ao incendiarismo por parte de imputáveis é de 26%. O ano em que houve mais fogos postos foi 2020, com 35% dos incêndios investigados a ter essa origem. Acontece que 2020 foi também um ano com pouca área ardida (37 mil hectares) e um baixo número de ocorrências (cerca de 6 mil). Na verdade, as causas mais frequentes dos incêndios em Portugal são as que se agrupam sob a designação de “uso do fogo”, donde se destacam as queimas e queimadas. Entre 2012 e 2021, foi de 44% a média dos incêndios com origem num mau ou negligente uso do fogo. Este ano, até 15 de Agosto, metade dos incêndios tinham tido esta origem.

Não obstante estes dados, o crime doloso de incêndio florestal pode ter uma moldura penal máxima de 16 anos de prisão (quando agravado pela morte ou ofensa grave à integridade física de alguém). Quando o incendiário apenas crie perigo para a vida ou integridade física, ameace bens patrimoniais de elevado valor ou atue com a intenção de obter benefício económico, pode ser punido com até 12 anos de prisão. Já na sua forma simples, o crime de incêndio é punido de 1 a 8 anos de prisão. Parece‑me que o regime vigente para quando há dolo (ou seja, intenção) é proporcional e adequado, principalmente se comparado com as penas aplicáveis a outros crimes. Denota-se um esforço do legislador em prever penas mais gravosas para os incendiários, sendo que qualquer ajuste a fazer deverá passar pelos limites mínimos da moldura penal e não pelos máximos.

Mas se cerca de metade dos incêndios no nosso país decorrem de um mau uso do fogo, em violação de deveres de cuidado, como é punida a negligência? Apenas com pena de multa ou com pena de prisão até três anos. Se da negligência resultar perigo para a vida ou integridade física de alguém a pena de prisão vai de 2 a 10 anos; e se a negligência for grosseira, o agente pode ser punido com até 5 anos na prisão.

Demonstrando os dados que a negligência é prevalente como causa dos incêndios, mais adequado seria puni-la mais severamente, de modo a enviar um sinal de que é preciso regressar, no uso do fogo, aos cuidados que se tiveram nos três anos após a tragédia de Pedrógão Grande.

Em todo o caso, qualquer intervenção ao nível criminal é e será sempre, nesta matéria, o fácil do fácil, até porque se basta com uma simples mudança da lei. As sanções criminais têm como propósito prevenir a ocorrência de novos crimes, o que tanto se consegue em termos gerais (mostrando à sociedade que as normas são para respeitar), como em termos especiais (intervindo-se directamente junto do agente para o ressocializar e colocar no caminho do Direito).

Aquilo que as penas não fazem, infelizmente, é combater incêndios, reformar a floresta, aproveitá-la economicamente, reorganizar o território, repovoar o interior ou resolver a emergência climática. Tudo isto é muito difícil - é o mais difícil do difícil - e isso, que o Homem quer, parece que os políticos não desejam.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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