Nos 100 anos de Adriano Moreira

Talvez a melhor homenagem que lhe possamos prestar seja revisitarmos as suas lúcidas análises sobre a contingência do nosso país, assentes na sua inabalável fé no futuro do Portugal.

Comemora hoje o centésimo aniversário natalício uma das personalidades mais marcantes da História contemporânea nacional e, muito especialmente, da universidade portuguesa —​ Adriano Moreira. Um dos académicos portugueses mais prestigiados e homenageados em Portugal. Criou escola e discípulos. Criou pensamento, doutrina, teoria. Exortou a juventude universitária a participar na definição dos novos futuros. Autonomizou o estudo de áreas científicas, como a Ciência Política e as Relações Internacionais. Fortaleceu novas áreas de conhecimento. Impulsionou o reconhecimento de áreas —​ já com lastro — como a das Ciências Militares. Foi determinante na experiência pioneira do processo de avaliação do ensino superior em Portugal, imprimindo-lhe uma dinâmica que veio dar origem a um modelo assente — sobremaneira — na autoavaliação das instituições e dos seus programas formativos, e que esteve —​ também — na origem do atual modelo de avaliação e de acreditação do ensino superior.

Foi governante e ministro na vigência da Constituição de 1933 e, nesse interminável tempo de vésperas, conseguiu definir e implementar assinaláveis — e históricas — reformas políticas, legislativas e administrativas que poderiam ter mudado, de forma ainda mais impressiva, o rumo da nossa História colonial, da nossa presença em África, da perceção que a comunidade internacional tinha de nós, como país e como povo. Reformas que pelo menos — e naquele tempo foi árduo trabalho —​ mudaram a vida ou, pelo menos a perceção, de muitos dos nossos — então — compatriotas, que não eram cidadãos de pleno direito... Viu o que muitos não viram ou não quiseram ver. Viu o evidente. Viu que a situação de um país multicontinental — do Minho a Timor — não era política, nem internacionalmente sustentável. Teve razão no tempo certo, que nunca o é para quem deseja que tudo fique na mesma e que nada mude. Sempre à frente do seu tempo. Foi boicotado. Outros interesses falaram mais alto. Saiu do Governo, porque não se poderia mudar de política sem se mudar de ministro...

Anos mais tarde, na vigência da Constituição democrática do 25 de Abril — a Constituição da liberdade e das liberdades —, foi deputado eleito pelo povo soberano, vice-presidente da Assembleia da República, presidente do CDS, conselheiro de Estado.

Fundou — com outros portugueses notáveis — instituições que ainda hoje intervêm na sociedade civil, como a Academia Internacional da Cultura Portuguesa, o Instituto Dom João de Castro, o Instituto Português da Conjuntura Estratégica. Investiu grande parte do seu marcante poder da palavra e do seu sedutor dom de oratória na defesa do insubstituível papel das Forças Armadas e das Forças e Serviços de Segurança. Firme nas convicções. Seguro na controvérsia. Perseverante na adversidade. Humanista e defensor dos direitos humanos. Institucionalista convicto. Católico comprometido com a Doutrina Social da Igreja e o Concílio Vaticano II. Permanente na defesa do que classifica como as nossas janelas de oportunidade, como a língua portuguesa, a CPLP, o mar... O país deve-lhe muito, mas particularmente a sua clarividente capacidade de ler a conjuntura e a realidade internacionais, que influem diretamente na circunstância e no rumo do nosso país, que sempre qualificou como Estado exíguo. Esta leitura e capacidade de entendimento do mundo que nos rodeia foram e são determinantes para a definição responsável, viável e realista de programas de governo, de políticas públicas, de estratégias e, por isso, muitos governos beneficiaram do seu conselho, da sua opinião, do seu alto sentido de Estado.

Agora que comemora 100 anos de uma vida tão preenchida, num tempo que lhe calhou viver, que é de extrema complexidade, talvez a melhor homenagem que lhe possamos prestar —​ hoje e no futuro adveniente — seja revisitarmos as suas lúcidas análises sobre a contingência do nosso país, assentes na sua inabalável fé no futuro do Portugal que todos os dias construímos, e acreditarmos — acima de tudo — que o eixo da roda — de que sempre fala — acompanha o rodar da roda, mas não roda, porque os valores da ética, dos interesses permanentes do país, da defesa dos mais desfavorecidos são estruturantes e não mudam. Determinado, exemplar e firme na defesa do eixo da roda. Nunca vacilou.

Senhor professor, é privilégio inigualável trabalhar consigo. O país deve-lhe muito. Todos nós lhe devemos muito. Eu devo-lhe tudo. Parabéns e muito obrigado!

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Ler 6 comentários