Testes de stress: bancos arriscam perdas de 70 mil milhões com crise climática

Os bancos que foram alvo do primeiro teste de stress climático estimam que a crise do clima resulte em perdas conjuntas de 70 mil milhões de euros no curto prazo, uma projecção que até pode estar muito aquém da realidade.

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Christine Lagarde, presidente do BCE EPA/RONALD WITTEK / POOL

Num cenário de transição energética desordeira, sem a implementação das políticas ambientais necessárias para fazer face à crise climática, e em que os riscos de cheias e de seca e calor extremo se materializam, a banca europeia poderá vir a sofrer perdas de 70 mil milhões de euros no curto prazo, sobretudo por via da deterioração das carteiras de crédito. A estimativa resulta do primeiro teste de stress climático realizado pelo Banco Central Europeu (BCE), cujos resultados foram publicados esta sexta-feira.

No primeiro teste de stress climático que realizou – um exercício que o BCE frisa que foi apenas “exploratório” e que não terá quaisquer implicações directas para os rácios de capital dos 41 bancos sujeitos a este teste –, o regulador europeu definiu três cenários hipotéticos: um cenário ordeiro, onde se assume que as políticas ambientais e climáticas são implementadas atempadamente e em que o aquecimento global está limitado a 1,5º C até 2050; um cenário desordeiro, de transição, em que as políticas ambientais e climáticas não são implementadas até 2030 e em que só com “políticas fortes” é possível que o aquecimento global fique abaixo de 2º C; e um cenário extremo, em que se assume que não são implementadas quaisquer políticas ambientais e climáticas.

Ao mesmo tempo, o BCE aponta para dois grandes riscos físicos: o de cheias e o de secas e calor extremo. Neste caso, os bancos tiveram de fazer projecções quanto às potenciais perdas a nível da carteira de crédito, num cenário em que estes riscos se verificam.

É assumindo a materialização do segundo cenário, juntamente com os riscos físicos, que o teste de stress permite concluir que a banca arrisca-se a incorrer em perdas avultadas. “Em conjunto, o cenário de uma transição desordeira nos próximos três anos e os dois riscos físicos poderão levar, no curto prazo, a perdas conjuntas de cerca de 70 mil milhões de euros para os 41 bancos”, pode ler-se no relatório publicado esta manhã pelo BCE.

A explicar estas perdas estão, sobretudo, dois factores. Por um lado, os bancos antecipam a perda de produtividade de vários sectores, resultante das secas e calor extremo, que levarão a uma menor rentabilidade e, consequentemente, maior risco de incumprimento no crédito. Neste caso, os sectores mais afectados serão a agricultura, a construção e o sector mineiro.

Por outro lado, no que diz respeito ao risco de cheias, os bancos contabilizam, essencialmente, as perdas que poderão sofrer com a desvalorização do imobiliário localizado em regiões mais propícias a este tipo de fenómeno climático. “O risco de cheias afecta o valor dos colaterais associados aos créditos hipotecários e aos créditos empresariais garantidos por activos imobiliários”, explica o regulador, que reconhece o risco de uma “queda acentuada” dos preços do imobiliário nas regiões mais afectadas, um cenário que teria impacto directo sobre a qualidade da carteira de crédito da banca.

E a estimativa de perdas de 70 mil milhões pode, até, estar muito aquém daquela que será realidade para a banca europeia num futuro próximo. Por várias razões: “Primeiro, os cenários considerados neste exercício não são adversos, como acontece nos testes de stress regulares. Em concreto, não é considerada uma recessão económica, em conjunto com os efeitos negativos da crise climática. Segundo, os modelos de risco desenhados pelos bancos para as projecções realizadas ainda estão numa fase preliminar, sendo os factores climáticos capturados a nível apenas rudimentar. Terceiro, tendo em conta que este é, essencialmente, um exercício de aprendizagem, não foram aplicadas sobreposições de cenários. Quarto, as exposições da banca aos sectores analisados neste exercício, representam apenas cerca de um terço das exposições totais dos 41 bancos”, resume o BCE.

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