Boris Johnson demite-se hoje mas quer ficar como primeiro-ministro até ao Outono

Primeiro-ministro britânico perde a confiança do núcleo duro dos seus ministros e vai renunciar à liderança do Partido Conservador e do Governo. Corrida à sucessão terá lugar no Verão e Johnson quer passa o testemunho antes do congresso tory, em Outubro.

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Boris Johnson vai renunciar esta quinta-feira, segundo avança a Sky News e a BBC Reuters/HENRY NICHOLLS

O primeiro-ministro do Reino Unido vai apresentar esta quinta-feira a demissão. Boris Johnson tomou a decisão ao início da manhã, depois de mais demissões no seu Governo – são já mais de 50 – e de ter perdido a confiança de dois ministros que tinha nomeado há menos de 48 horas, entre outras figuras do seu núcleo duro.

Johnson deu conta das suas intenções a Graham Brady, líder do poderoso grupo parlamentar conservador Committee 1922. Um porta-voz de Downing Street confirmou que “hoje o primeiro-ministro vai fazer um comunicado ao país”. A Sky News avança que será por volta do meio-dia (hora local e portuguesa).

Segundo a BBC, Johnson vai abdicar imediatamente do cargo de líder do Partido Conservador, mas quer manter-se como primeiro-ministro até o partido nomear um substituto. A corrida interna à sucessão deverá ter lugar durante o Verão, com Johnson a querer passar o testemunho antes do congresso anual dos conservadores, marcado para Outubro.

Resta, no entanto, saber, se o Partido Conservador vai aceitar esta solução. Johnson está politicamente fragilizado e há muitos tories que receiam que a sua manutenção no cargo possa atrasar o início do processo de reconstrução da reputação e da imagem do partido, gravemente afectada por causa dos escândalos dos últimos meses – os mesmos que estiveram na origem desta revolta interna contra o primeiro-ministro.

Se Boris Johnson decidir renunciar imediatamente ao cargo de chefe do Governo, será necessário nomear um primeiro-ministro interino até haver novo líder. Dominic Raab, actual vice-primeiro-ministro, está, teoricamente, na linha da frente para assumir essa missão.

Keir Starmer, líder do Partido Trabalhista, diz que a saída de Johnson do n.º10 de Downing Street é uma “boa notícia” para o Reino Unido, apesar de considerar que “já devia ter acontecido há muito tempo”. Entre várias críticas aos conservadores, defendeu que o país precisa de “uma verdadeira mudança de governo” e exigiu a saída imediata do ainda chefe do executivo.

“[Johnson] foi responsável por mentiras, escândalos e fraude numa escala industrial. E aqueles que têm sido cúmplices deviam sentir-se absolutamente envergonhados. O partido tory infligiu o caos sobre o país durante a pior crise do custo de vida em décadas. E não podem achar que é ele que a vai resolver”, atirou.

Um cenário de eleições antecipadas está, no entanto, praticamente posto de lado. Tendo vencido as legislativas de 2019 e estando atrás do Labour nas sondagens, devido à crise económica e aos escândalos políticos, a última coisa que o Partido Conservador precisa agora é de uma eleição.

Dezenas de demissões

Entre as demissões mais recentes no Governo britânico destacam-se as de Michelle Donelan (ministra da Educação), Brandon Lewis (ministro para a Irlanda do Norte) e Simon Hart (ministro para o País de Gales). Antes deles, e para além das dezenas de secretários de Estado, subsecretários de Estado e assessores ministeriais que também bateram com a porta, já tinham apresentado a demissão Rishi Sunak (Finanças) e Sajid Javid (Saúde).

Um dos sinais de que o tempo de Johnson chegou ao fim foi dado ao início da manhã, quando Ben Wallace, ministro da Defesa, mas principalmente Nadhim Zahawi, nomeado ministro das Finanças na terça-feira à noite, para o lugar de Sunak, recorreram ao Twitter para dar conta de que tinha chegado a altura de o primeiro-ministro abdicar do seu posto.

“Isto não é sustentável e só vai piorar: para si, para o Partido Conservador e, acima de tudo, para todo o país. Deve fazer o que está correcto e sair agora”, escreveu Zahawi, que na quarta-feira se sentou ao lado de Johnson na Câmara dos Comuns, em sinal de apoio, ma esta quinta-feira aconselhou-o a “sair com dignidade”.

Donelan, que também tinha sido nomeada ministra da Educação na terça-feira, justificou a sua demissão como sendo “a única forma possível” de “remover” Boris Johnson.

Já o ministro da Irlanda do Norte, Brandon Lewis, defendeu que “um Governo decente e responsável depende de honestidade, integridade e respeito mútuo”. O problema, sublinhou é que já não acredita “que estes valores estejam a ser postos em primeiro lugar”,

“A decisão de sair do Governo nunca é tomada de ânimo leve, ao participar num momento tão crítico para o meu país. Demorei muito a ponderar esta decisão”, explicou, deixando claro que “serviu com lealdade”. “Dei-lhe a si [primeiro-ministro do Reino Unido] e aos que o rodeiam o benefício da dúvida. Mas saí para defender que este Governo já não tem ponto de viragem. Não posso sacrificar a minha integridade pessoal para defender a situação como ela se encontra agora”, concluiu.

Escândalos

A queda do líder conservador – que tem no currículo uma das maiores vitórias legislativas do Partido Conservador nas últimas décadas, em 2019, e a bem-sucedida missão de retirada do Reino Unido da União Europeia, em 2020 – começou a desenhar-se na terça-feira, com as saídas de Sunak e de Javid.

Os dois ministros não perdoaram Johnson pela forma como lidou com o caso da nomeação para um cargo parlamentar de um deputado sobre o qual tinha recebido denúncias de comportamento sexual abusivo. O chefe do Governo afirmou, num primeiro momento, que não teve conhecimento das acusações aquando da nomeação, mas quando foi contrariado publicamente por membros do corpo civil, veio dizer que afinal sabia, mas que não se tinha lembrado.

Este caso teve bastantes semelhanças com o principal escândalo que abalou o Governo durante meses a fio: o “Partygate”. A polémica das festas realizadas em Downing Street durante a pandemia também começou com o primeiro-ministro a negar quaisquer violações das regras da covid-19, para acabar com mais de 80 multas aplicadas pela polícia – incluindo uma a Johnson –, um relatório oficial a denunciar uma “cultura” de festas na sede do poder executivo e vários pedidos de desculpas.

Por causa deste escândalo, Johnson foi mesmo alvo de uma moção de desconfiança, em Junho, convocada pelos deputados do seu próprio partido. Apesar de a ter superado, mais de 40% da bancada parlamentar conservadora votou pela sua demissão. E as derrotas eleitorais dos tories em duas eleições intercalares, algumas semanas depois, mostraram que o caminho do primeiro-ministro estava a chegar ao fim

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