CPLP quer unir esforços para travar a pesca ilegal

Comunidade dos países de língua portuguesa celebrou a assinatura de um instrumento não vinculativo que visa prevenir e eliminar a pesca ilegal, não regulada e não regulamentada.

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Barcos de pesca em Maputo Manuel Roberto

Os nove Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) — Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Portugal, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste — assinaram esta quarta-feira um instrumento não vinculativo que visa prevenir, combater e, por fim, eliminar a pesca ilegal, não regulada e não regulamentada (IUU, na sigla em inglês). A notícia foi dada esta quarta-feira, numa conferência de imprensa no âmbito da Conferência dos Oceanos da Organização das Nações Unidas, que decorre até amanhã (1 de Julho) no Parque das Nações, em Lisboa.

Este documento, que cria uma “plataforma de cooperação” entre os países da CPLP com vista à “promoção da pesca sustentável” e ao combate à pesca IUU, começou a ser trabalhado como um acordo vinculativo. Por que é que hoje não o é? “Dada a experiência que a CPLP tem com outros acordos, chegámos à conclusão de que, se assim fosse, demoraria muito tempo a ser implementado”, explicou ao PÚBLICO, após a conferência de imprensa, Manuel Lapão, director de Desenvolvimento da CPLP.

“Quando os acordos são vinculativos, têm de ir aos parlamentos de cada país para serem ratificados. E no caso do Brasil, por exemplo, a CPLP tem processos que andam a aguardar ratificação há anos. Não era prático que, numa área tão importante como esta, se criasse um instrumento que tarde ou nunca veria a luz do dia”, referiu. “Percebemos que um acordo voluntário seria melhor. Hoje foi assinado e já está em vigor”, acrescentou ainda.

Desenvolvido pelos ministros dos assuntos do mar dos nove países da CPLP, o documento identifica a necessidade de os Estados-membros da organização internacional promoverem “a capacitação e o reforço dos recursos técnicos e operacionais responsáveis pela promoção da pesca sustentável” e luta contra a pesca IUU. Os países também assumem o compromisso de “rever e harmonizar os quadros institucionais das pescas, vigentes e futuros”. “Vamos olhar para as legislações dos vários países e ver aquilo que tem de ser reformado para que, e apesar de o acordo não ser vinculativo, a legislação seja alterada e possa existir um quadro regulamentar comum no espaço da CPLP”, esclarece Manuel Lapão.

O responsável explica que “este acordo vai ter um plano de acção”, no âmbito do qual serão “implementadas as medidas de cooperação que estão previstas”. Um exemplo de uma possível medida de cooperação: países desenvolvidos, como por exemplo Portugal, podem, até mesmo à distância, organizar acções para formar técnicos de conservação da natureza em países como a Guiné Equatorial e Timor-Leste.

O director de Desenvolvimento da CPLP espera que a criação desse plano de acção não se traduza num processo excessivamente longo. “Conseguimos ter o acordo em apenas oito a nove meses. Era bom demorarmos o mesmo tempo ou até um pouco menos a desenvolver o plano de acção”, diz. Estou optimista, acho que conseguimos criá-lo em seis meses e não nove. Mas não posso garantir nada.”

Até porque, em breve, haverá eleições em alguns dos países da organização (24 de Agosto em Angola e 2 de Outubro no Brasil, para dar dois exemplos). “Com novos ministros, vou perder alguns interlocutores [que ajudaram a desenvolver o instrumento]”, refere Manuel Lapão.

A ideia de poder vir a deixar de contar com aliados importantes preocupa Manuel Lapão? “Não tem a ver com aliados: os processos eleitorais são simplesmente a democracia a funcionar”, responde, sem deixar de fazer referência à única questão que o apoquenta ligeiramente. “Se vierem interlocutores que não estão tão familiarizados com este assunto, teremos de os sensibilizar para estas matérias e, com isso, perderemos algum tempo.”

Esse constitui, no entanto, meramente um “factor de preocupação” e não um “factor de risco”, entende o director de Desenvolvimento da CPLP. “Este é um compromisso de Estados, não um compromisso de pessoas. Isso faz toda a diferença”, sugere.

Necessidade de parceiros “nos corredores de decisão”

Manuel Lapão lembra que o problema da pesca IUU já foi — e, nalguns contextos, continuará a ser — um problema grave nos países da CPLP. “Sabemos o que aconteceu ao largo da Guiné-Bissau, ao largo de Moçambique, ao largo de Angola. Frotas pesqueiras muito vastas e completamente anti-regulamentares [pescaram de forma intensiva nas águas desses países e] empobreceram os recursos dos nossos Estados-membros”, assinala.

Era, por isso, urgente, a criação de um instrumento como aquele que entrou em vigor esta quarta-feira. Mas quando é que o mesmo estará no terreno a produzir resultados práticos? Ou seja, quando é que, uma vez criado, o futuro plano de acção sairá efectivamente do papel? “Para ser honesto, não consigo apresentar uma previsão”, admite Manuel Lapão. “Existindo interesse político e boas parcerias, a coisa será mais fácil. Mas é preciso baixar as expectativas relativamente à capacidade de a CPLP ser um agente implementador destas medidas.”

A passagem das palavras para a acção exige recursos financeiros que a CPLP não possui, reconhece o director de Desenvolvimento da organização, salientando que são necessários parceiros — como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e outras entidades, sugere —​ que reconheçam a importância do acordo e invistam conformemente. “Nós somos uma parte pequena deste jogo internacional. O papel catalisador da CPLP é aquele em que podemos ser mais relevantes e actuantes. Podemos chamar a atenção de outros com mais capacidade do que nós.”

Como? Manuel Lapão exemplifica. “Portugal está na União Europeia [UE]. E, no que diz respeito à UE, há vários Estados-membros que estão preocupados com esta matéria da pesca ilegal. Alguns deles têm técnicos que estão nos corredores de decisão não apenas da UE, mas também do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Banco Mundial, por exemplo. Nós, com os parcos recursos que temos, podemos ser um articulador permanente, alertando esses agentes nesses corredores de decisão: ‘Estamos atentos à agenda internacional e subscrevemos este instrumento. Ajudem-nos a implementá-lo.’”

Segundo a FAO, a pesca IUU representa até 26 milhões de toneladas de peixes capturados anualmente. Pode ocorrer tanto em alto-mar como nas zonas económicas exclusivas de diversos países, comprometendo a subsistência de comunidades rurais costeiras que dependem da pesca tradicional e de pequena escala.

Além de ser altamente destrutiva para os ecossistemas marinhos — coloca-se não só o problema da pesca excessiva, como também o da pesca acessória (muitas espécies não desejadas são içadas desnecessariamente e, mesmo sendo devolvidos ao oceano, muitos dos indivíduos já não sobrevivem, devido às agressões causadas pela captura e posterior devolução) —, a pesca IUU pode envolver crimes como tráfico humano e exploração laboral.

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