A tirania do mérito

Quem entra no IST está par da exigência proposta: muitas vezes é uma das razões que leva alguém a candidatar-se. Mas não se espera que, a par dessa exigência, não sejam por vezes fornecidas práticas pedagógicas e docentes adequados.

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Nuno Ferreira Santos

O assédio e a saúde mental são dois temas que têm estado na ordem do dia, principalmente no meio académico. De entre todas as manchetes e capas de jornais, destacam-se duas faculdades da Universidade de Lisboa, a Faculdade de Direito e o Instituto Superior Técnico. Arlindo Oliveira, ex-presidente do Instituto Superior Técnico (IST), escreveu um artigo onde mistura assédio, exigência e “esquerda woke”.

A tentativa de descredibilização da questão é evidente, desde já quando se junta discutir exigência a “visões extremas”, revelando uma profunda distância à realidade. Isto porque o professor falha desde logo em compreender o que está em causa: os alunos não estão a questionar a exigência.

Quem entra no IST está par da exigência proposta: muitas vezes é uma das razões que leva alguém a candidatar-se. Mas não se espera que, a par dessa exigência, não sejam por vezes fornecidas práticas pedagógicas e docentes adequados.

O antigo presidente manifesta apenas aquela que é a cultura enraizada: menores taxas de aprovação significam mais exigência e, por conseguinte, mais mérito. Mas esta lógica tem grandes falhas. Muitos motivos podem causar taxas de aprovação baixas - principalmente métodos de ensino desadequados e métodos de avaliação desproporcionais. Afinal, quando as taxas de aprovação não passam os 50%, quem falhou? Foram os alunos que falharam a aprender, ou os professores que falharam a ensinar?

Arlindo Oliveira parece ser um adepto da ideia de que a instituições de ensino superior são para sobreviver. Quem conseguir chegar ao fim, está “preparado para a vida”. Eu acredito que são um lugar para aprender e ensinar. A exigência está implícita, mas também está implícito que serão fornecidas as condições para, com trabalho, aprender.

Porque ser um filtro é fácil, chumba-se uma parte e chama-se-lhe exigência: acredita-se que isso é mérito. O desafio está em pensar em quantos alunos, com as ferramentas certas, podem ser bons profissionais, e não quantos é preciso excluir para seleccionar os melhores.

O mérito está em conseguir proporcionar a todos os alunos as condições para que se desenvolvam, e não em excluir os 30% “piores” dentro dos melhores. Porque, de outra forma, o Técnico não poderia ser a melhor escola de engenharia e, sim, o melhor filtro de futuros engenheiros.

O ex-presidente mistura ainda “o que tem sido classificado de ‘assédio moral'” e a dita exigência, sugerindo que são os alunos que erradamente lêem a última como assédio. Mas esta sugestão não podia estar mais longe da realidade, já que os relatos não são relativos à exigência, mas sim aos casos em que professores usam as palavras para rebaixar os alunos (ou, talvez, filtrá-los?).

O problema do assédio moral não é o predominante. Contudo, é preciso reconhecer que existem problemas, e não descredibilizar quem sente que está a ser alvo de práticas inaceitáveis. Pedir que não se aceitem casos de assédio moral (ou de qualquer tipo) não é pedir para ser “mimado”.

Ignorar os problemas não quer dizer que eles não existam: só não se conhecem. Creio que estão a ser dados passos nesse sentido. A criação da figura de Provedora do Estudante do IST permitirá que cheguem mais queixas, porque para que isso aconteça é necessário criar confiança no processo, garantindo a confidencialidade e diminuindo a burocracia.

Em suma, nem tudo é mau: o IST continua a ser uma excelente escola de Engenharia. Tem é de saber ouvir os alunos e reconhecer os seus problemas - este é o primeiro passo para que se possam tomar acções para os resolver.

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