Escolas Amigas dos Refugiados: Uma questão de saúde pública

Com a chegada e integração de cada vez mais crianças refugiadas nas escolas portuguesas, os professores enfrentam um novo desafio no próximo ano lectivo

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Nelson Garrido/Arquivo

Vivemos um momento maluco, um constante “Lost in Translation”. Com a pandemia vieram muitas outras crises e, segundo a OCDE, Portugal é um dos países desenvolvidos com mais dificuldade em sair da pobreza. Em 2020, assistiu-se a um aumento de 9% na desigualdade entre grupos vulneráveis (idosos, refugiados, etc.), e, na Europa, as taxas de doença mental mantêm-se muito altas.

Olhando para esta realidade, questiono muitas vezes qual é a minha responsabilidade enquanto mãe. Por onde começar no seio familiar para cortar com estes ciclos de agressividade, não só para com os marginalizados, como para os que marginalizam — que são igualmente vítimas do sistema montado.

Depois, penso no meu papel enquanto psicóloga, na intervenção individual e de grupo, especialmente no que toca à promoção de estratégias que ajudem as pessoas a tomarem consciência desta realidade e reforçarem hábitos e comportamentos mais humanos, curiosos, tolerantes, de respeito pela diferença, dignidade humana e empatia. Afinal queremos construir a paz e se nem na Segunda Guerra o fluxo de pessoas em busca de protecção e asilo era tão alto, creio que todas as ajudas são úteis para ajustar o sistema à nova realidade.

Quando penso na escola e o papel da educação em tudo isto, parece-me óbvio, mas isso não significa que seja assim tão fácil integrar a mudança. Com a chegada e integração de cada vez mais crianças refugiadas nas escolas portuguesas, os professores enfrentam um novo desafio no próximo ano lectivo: Como criar escolas e turmas amigas dos refugiados?

Deixo algumas sugestões para a entrada no próximo ano lectivo:

Se a turma vai receber refugiados, este é um bom momento para se contextualizar o que é um refugiado e qual a sua condição actual de vida. Com isto, reforçar a importância de respeitar o silêncio das crianças refugiadas que chegam. Formalizar um momento de partilha de culturas, de hábitos alimentares, brincadeiras e religião de cada grupo.

Reforçar a importância de dizer bem os nomes de cada um. No início pode ser interessante usar algumas estratégias neste sentido e pode ajudar a criação de um sistema de “padrinhos responsáveis por ajudar o seu afilhado recém-chegado”.

Ensinar palavras simples de sobrevivência na sala de aula, como “casa de banho, livro, recreio, caneta…” . Fazer um dicionário bilíngue, desenhado ou com as palavras que decidam ser essenciais. Ao “padrinho” cabe também a responsabilidade de averiguar o bem-estar do seu “afilhado recém-chegado”, após o recreio.

Ao reflectir sobre isto, penso automaticamente numa das necessidades psicológicas mais importantes: a pertença. Sem pertença deixamos de acreditar que somos importantes, especiais e essa é uma das grandes razões que leva pessoas a procurarem ajuda no consultório. E se criarmos diferentes espaços onde recém-chegados se sintam especiais e que pertencem, que são uma mais-valia e podem contribuir com o que têm de melhor? Talvez assim consigamos interromper um gigante ciclo de sofrimento. Quem se junta?


Psicóloga clínica, fundadora da Be Human

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