Alunos da Escola Ria Formosa “ensinam” os pais a cuidar dos cavalos-marinhos

Comunidade dos cavalos-marinhos cresceu dez vezes, em duas zonas protegidas da ria Formosa, no período de um ano. O que se passa no resto do ecossistema só se saberá com os censos que começam em Julho.

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Na Escola Básica Ria Formosa, em Faro Daniel Rocha

Os cavalos-marinhos, mais do que um ícone, representam o elo da ligação de uma escola à comunidade farense. “Gostava de cuidar dos cavalos-marinhos”, diz o “embaixador” da Escola Básica Ria Formosa, Gabriel Raimundo, de sete anos. Como ele, outras crianças fizeram da defesa da vida no mar uma causa de futuro – e os pais foram atrás dos filhos. Nos últimos dois anos, este estabelecimento de ensino – integrada no projecto da rede Escola Azul, do Ministério do Mar – captou a atenção pública e deu visibilidade aos problemas relacionados com o ecossistema marinho. No final do ano lectivo, Jorge Palma, investigador do Centro de Ciências do Mar (CCMar), da Universidade do Algarve, foi dar uma aula aos miúdos para que, mesmo durante as férias, sejam eles os “professores” dos graúdos na educação ambiental.

A pesca clandestina, o lixo e a sobrecarga humana nas ilhas-barreira da ria Formosa, dizem as crianças, coloca em perigo de vida algumas espécies. De facto, confirma Jorge Palma, existem resultados científicos que provam essa realidade. Em 2020, por exemplo, foram criadas duas pequenas zonas de áreas protegidas (não navegáveis) – uma com 0,1 quilómetros quadrados, perto de Faro; outra de 0,5 quilómetros quadrados junto à Culatra. Passado um ano, “só por ser área protegida, já tinha dez vezes mais cavalos-marinhos”, revela ao PÚBLICO Jorge Palma, defendendo a necessidade de ordenamento no espaço marítimo.

O investigador mostra um vídeo aos miúdos, para dar o conhecer a vida que existe para além do que a vista alcança à superfície das águas. “Aquele cavalo-marinho é teu amigo?”, pergunta Leonardo Santos, ficando espantado por ver a imagem do animal imóvel, agarrado pela cauda ao dedo do cientista. “Sim, vêm ter comigo, já me conhecem”, diz, explicando, sumariamente, o trabalho que se faz na Universidade do Algarve na área das ciências do mar.

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Na Escola Básica Ria Formosa Daniel Rocha

A coordenadora da escola, Beatriz Machado, aproveita uma paragem do filme para esclarecer: “Não é a primeira vez que o professor Jorge Palma vem a esta escola. Aliás, ele é bastante popular entre os alunos.” O primeiro contacto com o CCMar, justifica a professora, sucedeu em plena pandemia. “Tínhamos lançado o projecto: ‘Salvaremos os cavalos-marinhos da ria Formosa’”, recorda Beatriz Machado, que também coordena na Escola Básica Ria Formosa o projecto da Escola Azul, programa educativo que promove a literacia do oceano. Nessa altura, prossegue, Jorge Palma falou a partir de casa. “A seguir, tudo mudou”, enfatiza.

E o que fizeram? “Os miúdos falaram com os pais, começamos todos a trabalhar – juntámos plásticos e outros desperdícios, nasceram obras criativas (polvos, chocos, cavalos-marinhos e outros peixes, de grandes dimensões), expostas na rede do quintal.” Assim, quem circula pela Estrada da Penha, onde fica a escola, “não pode ficar indiferente a esta exposição, que está sempre a ser renovada”, diz a professora.

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Na Escola Básica Ria Formosa Daniel Rocha

Jorge Palma mostra mais imagens dos fundos da ria Formosa. “Vamos fazer de conta que vamos todos mergulhar”, desafia. Na sala começam a surgir troca de sorrisos e palavras. A professora Beatriz Machado avisa: “Eduardo do Vale, não se brinca com a Júlia Martins – virem-se a frente.” Lá do fundo da sala, Tâmara Pires põe o dedo no ar: “Os cavalos-marinhos estão camuflados para se protegerem.” O investigar comenta: “Bem observado.”

A aula prossegue com a descrição da importância na defesa dos habitats (“casinhas”) para que os peixes se possam multiplicar em segurança. O “embaixador” da escola, Gabriel Raimundo, eleito em assembleia de turma, revela a este propósito: “Fizemos há pouco tempo [19 de Maio] uma coisa muito bonita. No parque ribeirinho, formámos um cordão humano e demos as mãos pelos oceanos.” Beatriz Machado acrescenta: “Juntámos 1200 crianças”, destaca.

A onda que está criada leva a que haja mais projectos a partir de Setembro. “Temos já marcada uma deslocação, em Setembro, à estação marinha do Ramalhete para ver de perto o que fazem os investigadores do CCMar.”

Jorge Palma mostra total disponibilidade para acompanhar a visita de campo. “Vai ser giro”, prevê Tomás, com entusiasmo é partilhado pelos colegas. O investigador adverte: os animais, depois da fase de estudo, são libertados para bem da preservação da vida selvagem. Por fim, deixa uma mensagem: “Se as medidas de conservação forem bem aplicadas, a ria Formosa [apesar dos abusos que sofre] tem capacidade regeneração.” No próximo mês de Julho, disse o investigador ao PÚBLICO, o CCMar vai iniciar os censos dos cavalos-marinhos da ria Formosa. Quanto ao “embaixador” da Escola Azul, deixou esta confidência: “Quando for grande, se calhar vou ser biólogo marinho.”

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