Comissão Europeia recomenda aprovação do pedido de adesão da Ucrânia

Executivo comunitário dá parecer favorável ao pedido de candidatura apresentado por Kiev, e recomenda que Estados-membros confirmem o estatuto de país candidato na reunião do Conselho Europeu da próxima semana.

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A visita a Kiev de vários líderes europeus serviu para dissipar todas as dúvidas sobre uma eventual divisão e oposição do Conselho Europeu EPA/LUDOVIC MARIN / POOL

A Comissão Europeia anunciou esta sexta-feira o seu parecer favorável ao pedido de candidatura apresentado pela Ucrânia, aprovando por unanimidade uma recomendação para que os Estados-membros confirmem o estatuto de país candidato à adesão à União Europeia (UE), na reunião do Conselho Europeu marcada para os próximos dias 23 e 24 de Junho, em Bruxelas.

“A Comissão recomenda que o Conselho Europeu dê uma perspectiva europeia à Ucrânia e lhe conceda o estatuto de país candidato à adesão à UE”, declarou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no final da reunião do colégio de comissários em que foram avaliados os méritos das candidaturas apresentadas pela Ucrânia, República da Moldova e Geórgia.

O executivo comunitário também avaliou positivamente o pedido da Moldova, recomendando que o Conselho Europeu lhe atribua o estatuto de país candidato. Quanto à Geórgia, a resposta positiva foi condicionada, com Bruxelas a abrir a perspectiva europeia mas a aconselhar um compasso de espera para a execução de reformas antes de o país ser oficialmente declarado candidato à adesão.

Esta é a primeira vez que a Comissão Europeia abre a porta do clube a um país em guerra: as dúvidas relativamente à organização política e estabilidade das instituições, ou à própria delimitação do território ucraniano, poderão levar os Estados-membros a impor algumas condições para que as negociações de adesão possam arrancar.

Na sua recomendação, a própria Comissão aponta para várias reformas que têm de ser implementadas para que o processo de candidatura seja lançado. “A Ucrânia demonstrou claramente a sua aspiração, empenho e compromisso em estar à altura dos valores e padrões europeus. Sabemos que os ucranianos estão dispostos a morrer pela perspectiva europeia”, sublinhou Ursula von der Leyen, que classificou a decisão (geopolítica) da Comissão como “um momento político histórico” para o país.

“Mas há ainda muito trabalho a fazer”, insistiu a líder do executivo comunitário, depois de mencionar as áreas em que o Governo de Kiev tem necessariamente de avançar antes de serem abertas as negociações de adesão: no Estado de direito, no combate a corrupção e no reconhecimento dos direitos fundamentais das minorias.

Ao fixar estas condições para o desenvolvimento do processo, a Comissão acabou por facilitar o acordo político no Conselho Europeu. A expectativa é de que nenhum dos 27 Estados-membros negue a “perspectiva europeia” que a Ucrânia persegue desde a revolução política da Maidan, em 2014, ou feche a porta à eventual entrada do país no clube europeu. Na quinta-feira, em Kiev, os líderes dos três maiores países da UE, Alemanha, França e Itália, confirmaram pessoalmente ao Presidente Volodymyr Zelensky que apoiam a integração da Ucrânia na UE.

A visita do chanceler alemão, Olaf Scholz, do Presidente francês, Emmanuel Macron, e do primeiro-ministro italiano, Mario Draghi, serviu para dissipar todas as dúvidas sobre uma eventual divisão e oposição do Conselho Europeu ao reconhecimento da candidatura ucraniana. Além do importante simbolismo do gesto para a Ucrânia, a viagem dos três líderes europeus a Kiev enviou uma forte mensagem para Moscovo: a caminhada europeia da Ucrânia já não tem volta, e a agressão militar falou rotundamente no seu objectivo de devolver Kiev à esfera de influência russa.

O parecer favorável da Comissão Europeia ao pedido de adesão da Ucrânia assentou numa “avaliação positiva” dos méritos da candidatura, explicou Ursula von der Leyen, que se referiu aos esforços do país para se aproximar dos standards europeus, sem qualquer relação com a ameaça da Rússia. “Nos últimos oito anos a Ucrânia já se tinha vindo a aproximar gradualmente da União, tendo implementado cerca de 70% das regras, normas e padrões da UE graças ao Acordo de Associação assinado em 2016”, observou.

A presidente da Comissão disse que “a Ucrânia é uma democracia parlamentar robusta”, com um “sistema eleitoral livre e justo” e uma “sociedade civil vibrante e activa”, e notou que o país tem “uma administração pública que funciona bem” e “um sistema educativo bem desenvolvido”. Antes da invasão da Rússia, a Ucrânia tinha um défice orçamental de 2% do PIB e uma dívida pública inferior a 50%, e estava a dar “passos importantes para se tornar uma economia de mercado em pleno funcionamento”.

Von der Leyen reconheceu que a guerra de agressão russa é um desafio acrescido para as autoridades ucranianas, mas disse que muitos dos problemas identificados nas áreas em que o país tem de melhorar não estão directamente relacionadas com o conflito. Um dos pontos em que Von der Leyen mais bateu foi na questão do combate a corrupção, um fenómeno que atirava a Ucrânia para o fundo das tabelas internacionais.

Von der Leyen manifestou a sua confiança nas acções do actual Governo que “os ucranianos elegeram com a promessa de lutar contra a corrupção”, mas avisou que terão de ser acelerados os esforços para o funcionamento eficaz do sistema judicial, para a operacionalização dos órgãos anti-corrupção e para a implementação da lei contra os oligarcas.

Quanto à capacidade do país para levar adiante as reformas pedidas por Bruxelas em contexto de guerra, a presidente da Comissão admitiu dificuldades. Por exemplo, o trabalho para a modernização da administração pública, que está em curso apesar da guerra, não pode ser concluído, uma vez que uma parte dos recursos humanos está a participar nos combates ou saiu do país.

A República da Moldova poderá ter um caminho mais facilitado para a sua integração na UE, ainda que a sua economia e administração pública “exijam grandes melhorias”, assinalou Von der Leyen. “A Moldova está a dar passos decisivos rumo às reformas, numa via pró-europeia e anti-corrupção. Se mantiver o rumo, acreditamos que tem o potencial para estar à altura das exigências”, declarou.

Já a Geórgia, a terceira antiga república soviética motivada pela guerra de Putin na Ucrânia a candidatar-se à UE, terá de provar as suas credenciais democráticas, e a existência de “um amplo apoio político e da sociedade civil com as reformas necessárias”. A Comissão apontou alguns “pontos fortes” à sua candidatura, “em particular a orientação de mercado da economia, que tem um forte sector privado”. Porém, o executivo aconselhou o Conselho Europeu a esperar que a Geórgia cumpra uma série de condições antes de lhe conceder o estatuto de país candidato.

Com a luz verde do Conselho Europeu, a Ucrânia e a Moldova juntar-se-ão ao grupo de cinco países que são actualmente classificados como candidatos à adesão à UE: Macedónia do Norte e Albânia, que aguardam desde 2020 pelo início das negociações; Montenegro e Sérvia, que iniciaram as rondas negociais, respectivamente, em 2012 e 2014; e Turquia, que está na fila de espera desde 1987, com as negociações de adesão abertas desde 2005 mas nenhuma perspectiva de avanço na sua pretensão.

Outros dois países, a Bósnia Herzegovina e o Kosovo (cuja autoproclamada independência, em 2008, não é reconhecida por todos os Estados-membros da UE), são incluídos no processo de alargamento aos Balcãs Ocidentais, embora não tenham ainda obtido o estatuto oficial de candidatos à adesão. A Bósnia Herzegovina entregou o seu pedido de adesão a Bruxelas em Fevereiro de 2016, e só obteve um parecer da Comissão Europeia em Maio de 2019. O executivo comunitário fixou uma lista com 14 reformas prioritárias que o país tinha de executar antes de ser reconhecido como candidato.

Apesar de o artigo 49.º do Tratado da União Europeia ser bastante breve relativamente aos critérios para o acesso ao clube — apenas diz que “qualquer Estado europeu que respeite os valores referidos no artigo 2.º e esteja empenhado em promovê-los pode pedir para se tornar membro da União” — os procedimentos para a adesão de um país à UE estão regulamentados e prevêem que os candidatos cumpram um grande número de condições.

Como têm repetido os vários líderes europeus, é um processo longo, exaustivo e exigente, durante o qual o candidato tem de provar a conformidade com os princípios fundamentais de democracia e Estado de direito da União, demonstrar que a sua economia é concorrencial no mercado único europeu e adaptar e alinhar todo o seu ordenamento jurídico com o chamado acervo comunitário (o quadro legislativo e regulatório da UE, que tem mais de 88 mil páginas).

À apresentação do pedido, segue-se uma primeira avaliação que é eminentemente política para que o país seja designado como candidato oficial à adesão e o processo de candidatura possa arrancar: é precisa uma recomendação positiva da Comissão, o acordo por unanimidade do Conselho Europeu e a aprovação do Parlamento Europeu.

Quando ultrapassa essa primeira etapa, o país candidato passa a ter acesso ao financiamento comunitário, através do Instrumento de Assistência de Pré-Adesão (IPA), que apoia as reformas políticas, económicas e sociais que lhe são exigidas. O envelope deste programa, no quadro financeiro plurianual de 2021-27 ascende aos 14,2 mil milhões de euros. Mas além deste dinheiro, os países candidatos podem beneficiar de fundos de outros programas comunitários.

É a Comissão que estabelece o quadro para as negociações de adesão, que seguem uma metodologia por capítulos sequenciais, em que o candidato tem de promover as reformas necessárias para o alinhamento com as leis europeias. No total, há 35 capítulos, divididos em seis grupos: princípios e valores fundamentais; mercado interno; competitividade e crescimento económico; agenda verde e conectividade sustentável; recursos, agricultura e coesão; e relações externas.

Com uma população de 41 milhões de habitantes, e um Produto Interno Bruto per capita inferior a quatro mil euros, a Ucrânia é o segundo país mais pobre da Europa, atrás da Moldova. Desde a invasão da Rússia, a 24 de Fevereiro, as receitas fiscais do país caíram mais de 80%, e o PIB caiu para metade. Segundo as estimativas do FMI, a Ucrânia precisa de 5000 milhões de dólares de assistência financeira por mês só para manter o Estado funcionar.

As negociações formais arrancam com a realização da primeira conferência intergovernamental, e não há nenhum prazo previsto para a sua conclusão. No caso do Montenegro, as negociações começaram em 2012, quatro anos depois de o país ser reconhecido como candidato à adesão. Durante estes dez anos, foram abertos 33 dos 35 capítulos, e provisoriamente encerrados três deles (ou seja, a Comissão considera que foram executadas com sucesso as medidas preconizadas). A Sérvia, que começou as negociações em 2014, está mais atrasada no processo: foram abertos 22 capítulos, e dois estão provisoriamente encerrados.

Esta sexta-feira, Ursula von der Leyen referiu frequentemente o “carácter dinâmico” do processo negocial, cujo desfecho depende inteiramente da vontade e rapidez dos países candidatos na execução do caderno de encargos fixado para a adesão. “Há uma série de reformas que têm de ser feitas. O processo avança mais depressa se houver progressos, mas pode estagnar ou até mesmo voltar atrás se houver retrocessos nessas reformas”, avisou.

Quando todos os 35 capítulos são encerrados satisfatoriamente, a Comissão confirma que o país é capaz de cumprir o acervo comunitário e redige um tratado de adesão, que tem de ser ratificado pelo Conselho Europeu, o Parlamento Europeu e as diversas câmaras de todos os parlamentos nacionais.

Desde a sua fundação, com o Tratado de Roma, em 1957, a União Europeia passou por sete processos de alargamento, e uma ronda de encolhimento. Em 1973, a Dinamarca, Irlanda e Reino Unido juntaram-se aos seis membros fundadores Alemanha, França, Itália, Países Baixos, Bélgica e Luxemburgo. A Grécia aderiu em 1981, e em 1986 entraram Portugal e Espanha. Em 1995 foi a vez da Áustria, Finlândia e Suécia. O grande crescimento da UE aconteceu em 2004, com a entrada de dez novos membros: Chipre, Eslováquia, Eslovénia, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Malta, Polónia, República Checa. A Bulgária e a Roménia aderiram em 2007 e a Croácia em 2013, depois de oito anos de negociações.

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