Para que serve o sexo?

Muitas vezes aquilo que consideramos inútil como valor de mercado é o mais útil como valor de vida.

Vivemos em sociedades obcecadas com a retórica económica da eficiência. Nem o sexo escapa. Há semanas foi notícia na imprensa cor-de-rosa o acordo pré-nupcial de Jennifer Lopez e Ben Affleck que prevê a obrigatoriedade, ao que parece solicitada pela actriz e cantora, de relações sexuais quatro vezes por semana. Lembrei-me logo do filme Annie Hall, de Woody Allen, quando às tantas vemos, em simultâneo, o casal Alvie e Annie em consultórios diferentes com os respectivos psicólogos. Estes lançam a mesma pergunta aos pacientes: com que frequência tem sexo? “Quase nunca, para aí três vezes por semana”, diz ele. “Constantemente, diria que umas três vezes por semana”, afirma ela, numa outra sala.

Não sei se existe um número médio ideal. Cada um terá a sua fantasia. Dependerá de circunstâncias pessoais e relacionais. Talvez mais determinante seja a qualidade. E quando isso acontece é difícil encontrar alguém que não diga que o sexo é importante, saudável e útil na sua vida, física e mentalmente. Massaja a auto-estima, reforça defesas, revigora o bem-estar. É fonte de prazer e de conhecimento, sobre nós e os outros. Não se pensa nele a partir da utilidade ou do benefício, apesar de ambos os parâmetros darem pulos de agrado quando a coisa é satisfatória.

A dança e a música são práticas artísticas onde também o prazer, o conhecimento, e outras dimensões, andam a par. Por isso, com alguma ironia à mistura, quando alguém afirma que nunca apreciou cultura ou artes, está quase ao nível de declarar que não gosta de sexo. Apetece dar-lhe os pêsames e dizer-lhe que não sabe o que anda a perder. Afinal, existirá algo mais útil e vantajoso do que prazer e conhecimento? O prazer do conhecimento?

No domingo titulava este jornal, numa excelente reportagem de Mário Lopes, que uma escola no Beato, em Lisboa, encontrou o seu futuro no ensino artístico especializado de dança e música. A escola Luís António Verney havia mudado de rumo há oito anos, forma de combater o insucesso e a desistência, celebrando agora os primeiros finalistas, numa iniciativa de sucesso, de bons resultados escolares e de integração social.

A partir do entendimento da população, apostou-se no enriquecimento e diferenciação de currículos, em ligação com a comunidade, valorizando-se práticas para além das disciplinas de tronco comum, numa lógica onde as competências se sobrepõem à competição, e se encoraja a formação humana com corpo e pensamento, em vez do mero ser da produção e do consumo.

Um exemplo inspirador. Mas existiu logo quem viesse com o argumento da inutilidade e improdutividade das práticas artísticas. O país necessita é de engenheiros, advogados ou empreendedores, para competir com outros países, alegou-se. O país precisa de todos, e de vários tipos de conhecimento, incluindo saberes que sejam capazes de dialogar com a existência no sentido mais amplo. A cultura e as artes contribuem para o PIB e podem ser validadas pelo valor económico ou como factor de desenvolvimento, para além de serem fonte de sociabilização, alimentando o sentimento de pertença, educarem e transformarem, produzindo compreensão sobre o que nos rodeia, mas nem é preciso ir por aí.

Tantas vezes aquilo que consideramos inútil como valor de mercado é o mais útil como valor de vida. Nem tudo se resume à técnica, ao pragmatismo ou até à ciência. Exemplos? A experiência da fé e do acreditar. E não falo no sentido religioso. Façam a experiência. Perguntem a um pai ou mãe se tem a certeza absoluta sobre o amor dos seus filhos. A maioria, sem hesitação, dirá que sim. Não precisa de validação científica. Não tem dúvidas. Confia e acredita. E isso basta.

Cultura também é isso. Sentirmo-nos humanos. Ir até ao desconhecido. É conhecimento e autoconhecimento. Uma forma mais completa de se viver. Haverá algo mais útil e produtivo do que isso? Só sexo bom e intenso. E até pode ser todos os dias. O planeta e o ambiente não se importarão.

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