Uma saúde ambientalmente sustentável

A nível global, se o setor da saúde fosse um país, seria o 5.º maior emissor de gases com efeito de estufa. Os profissionais de saúde devem liderar pelo exemplo.

Como profissionais de saúde, temos um imperativo moral de lutar, aconselhar e influenciar por políticas que promovam ambientes saudáveis e combatam a emergência climática. Afinal de contas, os nossos utentes esperam de nós aconselhamento para a promoção da saúde e a adoção de hábitos de vida saudável. Haverá melhor estilo de vida saudável que viver num local sem poluição?

A emergência climática não é apenas um problema do futuro, é um problema do presente. Os danos na saúde já se fazem sentir, com tendência a agravar-se caso nada seja feito para resolver este problema. As ondas de calor, cada vez mais intensas e de maior duração, aumentam o seu impacto na mortalidade e morbilidade, especialmente nos mais vulneráveis e idosos. A saúde mental também é particularmente afetada pelas ondas de calor. Por cada aumento de 1ºC na temperatura média, a mortalidade associada a problemas desta dimensão aumenta 2,2%, enquanto a morbilidade aumenta 0,9%. O impacto é muito maior do que imaginávamos.

A poluição atmosférica contribui para agravar a doença respiratória. De tal maneira que, em 2018, é estimado que uma em cada cinco mortes a nível mundial seja o resultado da poluição atmosférica, por consequência da utilização de combustíveis fósseis. Isto significa que mais de oito milhões de pessoas morreram prematuramente em 2018, pessoas essas que, com opções políticas diferentes, poderiam estar vivas.

O aumento da temperatura média, conjugada com o aumento da humidade, cria as condições ideais para a multiplicação de vetores associados à transmissão de doenças. O aumento das populações de mosquitos, ratos ou carraças amplifica a probabilidade da interação com humanos, trazendo novas doenças a populações suscetíveis. Não se trata de algo que pode acontecer no futuro, é algo que já acontece agora, como é bem ilustrado pelo vírus da febre do Nilo Ocidental. As alterações climáticas favoreceram não só a sua chegada à Península Ibérica, como contribuíram para o sucesso do processo de endemização.

Com estes breves exemplos, concluímos que os profissionais de saúde já trabalham num novo paradigma – a prestação de cuidados de saúde no Antropoceno. Mas não pode ser ignorado a influência que o setor da saúde produz nas alterações climáticas. Os números portugueses são semelhantes aos europeus, e mostram que a saúde é responsável pela emissão de 5% dos gases com efeito de estufa. Para dar contexto, representa cerca de metade das emissões do setor agrícola ou da combustão industrial.

A nível global, se o setor da saúde fosse um país, seria o 5.º maior emissor de gases com efeito de estufa! Não se trata apenas da enorme quantidade de energia consumida, mas também a produção e cadeias logísticas dos medicamentos e materiais de consumo clínico, a maioria dos quais descartável e sem circuitos apropriados de reciclagem, ou a compra de alimentos de fontes não locais, que, podendo ser marginalmente mais barato, aumenta bastante a pegada de carbono do setor.

Os profissionais de saúde devem liderar pelo exemplo. Temos de começar por aprofundar o conhecimento sobre esta relação verdadeiramente bidirecional. Por um lado, a forma como as alterações climáticas produzem impactos na saúde, por outro, as consequências para o ambiente causados pela forma como prestamos os cuidados de saúde. Temos a obrigação de proteger o cidadão, tornando os sistemas de saúde mais resilientes e capazes de darem respostas às novas ameaças, como trabalhando e promovendo, via Ordens Profissionais, sindicatos e restantes associações do setor, para uma saúde mais sustentável… ambientalmente sustentável!

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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