Historiadora Irene Pimentel faz retrato de informadores da PIDE, mas mantém nomes sob reserva

No livro Informadores da PIDE - A Tragédia Portuguesa, Irene Pimentel mostra como os informadores começaram por ser pessoas “de baixa condição social”, mas posteriormente se alargaram às classes mais privilegiadas.

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A apresentação do livro decorre no Teatro São Luiz no dia 26 de Maio Nuno Ferreira Santos

A historiadora Irene Flunser Pimentel fez um retrato dos informadores da PIDE, “a figura mais odiada” no pós 25 de Abril, numa investigação que será apresentada no próximo dia 26, mas preserva as identidades para não atingir as famílias. O livro Informadores da PIDE - A Tragédia Portuguesa demonstra que a rede de grandes dimensões montada pela polícia política do Estado Novo é ainda uma realidade escondida que marcou a sociedade portuguesa do século XX, apesar da curiosidade que despertou após a Revolução dos Cravos.

“Curiosamente, quando lemos os jornais publicados logo após o 25 de Abril, a figura mais odiada é a do informador. É absolutamente revoltante a figura do delator, do ‘bufo’ ou do denunciante”, disse à Lusa Irene Pimentel, que vai apresentar no Teatro São Luiz, em Lisboa, a longa investigação sobre os informadores da polícia política do regime fascista português.

“Impressiona o aperfeiçoamento, ao longo dos anos, do sistema de recrutamento de informadores em virtude da longevidade do regime e da existência de elementos da PIDE peritos na captação de informadores ou delatores”, explica a historiadora à agência Lusa.

A investigação histórica demonstra que a PIDE infiltrou todos os “grupos” que se mostravam contra o regime, desde os “reviralhistas” até aos republicanos, monárquicos ou militares descontentes e ainda o PCP, “que foi o principal alvo”, sendo que muitos militantes comunistas foram “virados” depois de serem presos.

O “perfil” do informador começa por ser o de pessoas de baixa condição social, “como a Polícia Judiciária” fazia, mas a polícia política também foi buscar pessoas às classes mais privilegiadas da sociedade portuguesa, como médicos, advogados, presidentes de câmaras municipais, governadores civis ou jornalistas.

Verifica-se também - ao longo dos 48 anos de regime ditatorial - a colaboração no “trabalho sujo” de muitas pessoas que não o faziam directamente, como os administradores de empresas que pediam à própria PIDE para estabelecer redes de informadores nas próprias companhias.

“A PIDE era muito importante para a obtenção do emprego porque era a polícia política que dava oficialmente a qualificação dos empregados da Função Pública e o Estado era o maior empregador do país”, recorda Irene Pimentel, referindo-se à penetração dos métodos da polícia política no mundo do trabalho.

“Com as empresas privadas é a própria empresa que utiliza a PIDE para a introdução de uma rede de informadores, para evitar a presença de eventuais agitadores, e isto já não era oficial. Neste caso era a troco de dinheiro”, refere Irene Pimentel, que dedica um longo capítulo aos “informadores no mundo do trabalho” e que incluiu a “folha” com os valores de pagamentos efectuados.

Quase cinco décadas após a Revolução, ainda não se sabe quantos informadores colaboraram com a polícia política, que recorria a métodos violentos, como a tortura, de que foram vítimas os presos políticos.

No livro, a historiadora refere que ainda “não se sabe quantos informadores” teria a DGS em 1974, podendo, segundo algumas fontes, ter atingido entre dez a 15 mil indivíduos, sendo que o Serviço de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS e da Legião Portuguesa indica que o número de informadores atingiu os 20 mil no último ano do regime.

“O número atinge os milhares, sendo que a rede de informadores torna-se essencial para o trabalho da polícia política, muito mais do que a intercepção postal ou a escuta telefónica”, afirma Irene Pimentel.

A historiadora sublinha que a “PIDE conseguiu transmitir a ideia de que “meio mundo” informava sobre o resto da população portuguesa, que escutava toda a gente e que interceptava toda a correspondência: “A PIDE não estava por todo o lado, mas conseguiu passar precisamente essa imagem”.

Quanto ao estudo sobre o número real de informadores, delatores ou denunciantes, considera que “pode ainda ser feito mais”, através dos arquivos da Comissão de Extinção da PIDE, que não estão completamente abertos.

Em particular, o novo livro de Irene Pimentel estuda - além da perseguição de militantes do PCP - os casos de vigilância a elementos da extrema-direita ou monárquicos e destaca o papel dos informadores da PIDE/DGS na Europa, sobretudo junto dos jovens refractários e desertores da Guerra Colonial (1961-1974) em França, na Bélgica e nos Países Baixos.

Apesar de terem passado quase 50 anos desde o fim da ditadura, a historiadora, confrontada com as identidades dos informadores, decidiu manter os nomes “sob reserva” porque os filhos e os netos “não têm de sofrer por causa dos pais e avós que foram informadores ou torturadores”.

Assim, os nomes referidos no livro são as identidades que já tinham sido tornadas públicas, sobretudo, na imprensa após 1974 ou em processos judiciais.

Finalmente, nas notas finais do livro, a autora de uma vasta obra sobre a polícia política portuguesa alerta que actualmente várias democracias introduziram ou estão a estudar a introdução da “delação premiada” que beneficia “um criminoso que trai os seus cúmplices de crime”.

“Pode afirmar-se que, além de provocar a desconfiança, a divisão e a polarização nas sociedades democráticas, à semelhança do que acontece em ditaduras, a delação não deve ser incentivada em democracia”, escreve Irene Pimentel no livro sobre a história dos informadores da PIDE.

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