Como um festival literário transformou a jovem Diana

Tinha 13 anos quando venceu o primeiro prémio de contos do Livros a Oeste. Agora, tem 18. Seis vezes concorreu, seis vezes ganhou. Nesta edição, com o conto O jardineiro na lavandaria.

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Diana Oliveira na entrega do prémio literário de contos Livros a Oeste em 2018 (com 14 anos) DR
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Diana Oliveira a ler os seus poemas na sessão “A poesia é que nos cura… no Consultório”, em 2022 (com 18 anos) @ritachantrephoto
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A 10.ª edição do festival literário Livros a Oeste teve como mote “A linguagem é um vírus” DR

Foi o professor de Português do 8.º ano que fez saber a Diana Oliveira e aos seu colegas que se realizava um festival literário na Lourinhã e que incluía um concurso de contos. Decidiu concorrer e ganhou. Estávamos em 2017. A partir daí, todos os anos, assim que saía o regulamento, o professor informava-a.

O festival Livros a Oeste já é uma parte da minha vida”, diz a jovem ao PÚBLICO. E acrescenta: “Naquele ano, estava motivada e, nos anos subsequentes, quis sempre saber quando era o concurso.”

Ganhou confiança nas suas ideias e na sua escrita, foi participando e ficando sempre em primeiro lugar nos diferentes escalões (3.º ciclo, secundário e público em geral até 30 anos): 8.º ano, 13 anos, com O diário de um rapaz com cabelo cor de rosa; 9.º ano, 14 anos, O amor escrito por nós; 10.º ano, 15 anos, As portas de amanhã; 11.º ano, 16 anos, Tempo adentro; 12.º ano, 17 anos, Para onde vão as sombras?O encontro ajudou-me a crescer e cresceu comigo”, conta.

Nesta edição, sob o pseudónimo Maria Rosa (nome da avó), venceu o primeiro prémio com O jardineiro na lavandaria, sob o mote Em Busca do Tempo Perdido, em homenagem ao centenário da morte de Marcel Proust.

Relações familiares, sociais e internacionais são exploradas no texto, revelando as preocupações da jovem com a discriminação, o bullying e a guerra. A amizade e a cumplicidade ajudam à superação, cabendo aos livros e à literatura um lugar central na busca e definição da identidade.

Os protagonistas são dois rapazes forçados a vir viver para Lisboa: um russo (Ilya) e um ucraniano (Vasyl). Excerto do conto, numa passagem sobre o muito culto pai de Vasyl: “Ucranianizando-me entusiasticamente a cada dia, certa vez, despiu a camisa e mostrou-me uma úlcera que lhe descarnava o peito numa espécie de monumento radioativo em ruínas. Chamava-lhe o beijo de Chernobyl, souvenir da sua participação na emergência nacional de 1986 em que todos os homens na Ucrânia foram convocados para apagar os incêndios e construir o sarcófago que absorveria a radiação libertada pela usina. Contudo — e esta é talvez a memória póstuma de Dmytro Pavlenko que guardo com mais carinho — tornou a vestir a camisa com uma gargalhada de rosto inteiro, daquelas em que as rugas também se riem, e exclamou: — Que bom ter vivido para ter o meu filho!”

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Jovem vencedora leu poemas seus numa sessão de poesia do Livros a Oeste, no bar Consultório, centro da Lourinhã @ritachantrephoto

Poesia “reles”

Ainda que Diana Oliveira não tenha “uma visão muito holística do festival” Livros a Oeste, sabia das “leituras, exposições e visitas de autores”. Enumera alguns, por esta ordem: “Afonso Cruz, Rui Zink, Mário Zambujal, Sérgio Godinho.”

Sabia ainda que por estes dias (10 a 14 de Maio) havia “escritores nas escolas básicas” e sessões nocturnas de poesia: A poesia é que nos cura… no Consultório. Encontrámo-la nesse Consultório (bar no centro da Lourinhã) a ler poemas da sua autoria. Se pensasse em editar, “seria, neste momento, uma colectânea de poemas”, dissera-nos antes. “Mas, se calhar, a minha poesia é ‘reles’”, afirmou. Pelos aplausos da noite, talvez não seja.

Diana Oliveira acredita que “a literatura é o meio mais perto para o ser humano ascender ao divino” e tem uma certeza: “Não tens de ser preso político ou náufrago para ter uma história digna para contar. Todos podemos contar uma história.”

A candidata a uma licenciatura em Medicina ou em Jornalismo vê a escrita “como uma forma de exteriorizar a solidão”. E explica: “Quando escrevemos, a nossa solidão torna-se uma solidão partilhada.”

Sobre o Livros a Oeste quer ainda dizer que “faz um excelente trabalho para fomentar a base da escrita, que é a leitura”. E volta ao elogio do docente de Português João Ferreira: “Gostava muito desse professor e das aulas dele. Acho que vai ficar feliz se souber como foi importante para mim.”

Outros premiados na 10.ª edição

Categoria A (3.º ciclo): primeiro lugar, Rui Justino (Aurora boreal); segundo, Francisco Santos (À procura de Ceuta); terceiro, Maria Judite Amaro (Em busca do tempo perdido).

Categoria B (ensino secundário): primeiro lugar, Ana Araújo (Bartomoleu Dias); segundo, Sara Vieira (À procura do tempo perdido); terceiro, Inês Matias (Uma caixa, duas vidas, tempo preso).

Os prémios são monetários, atribuídos pela Câmara Municipal da Lourinhã e a entrega ocorreu no primeiro dia do festival, 10 de Maio, numa apresentação de Jorge Serafim, com a participação do vereador da Cultura e Educação, José Tomé, e do coordenador do festival, o jornalista João Morales.

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