A Educação, entre a espada e a caneta
Quem está nas escolas, no terreno, ator na dialética educativa de hoje sentiu, e sente, a dificuldade dos estudantes na compreensão do porquê da guerra entre a Rússia e a Ucrânia.
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“A caneta é mais poderosa do que a espada” (no original, “The pen is mightier than the sword”) é uma frase que, desde a sua origem datada de 1839, pelo punho do escritor inglês Edward Bulwer-Lytton, já teve de enfrentar muitos desafios que lhe têm sido colocados pela História contemporânea. Ei-la perante mais um: a guerra russa declarada à Ucrânia vem abalar a convicção de que a diplomacia, o compromisso é o melhor mecanismo, o único mecanismo para se construir o presente, sem hipotecar o futuro em demasia.
Há semanas, a “caneta” falhou claramente. Na verdade, nem terá tido possibilidade de começar a escrever… De 24 de fevereiro até hoje, aconteceram atrocidades que o passado já nos mostrou, mas que o futuro – quando a “caneta” voltar a ser, de facto, a mais poderosa –, nos vai aclarar e chocar, quando o mundo vier a conhecer, sem filtros, tudo o quanto se tem vivido por terras ucranianas.
A “caneta” fortalece-se através de um ingrediente que é tudo menos secreto, a educação. Quanto mais educação, menos “espada”. Assim interpreto o artigo 26.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948):
“A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz.”
A globalização das sociedades não é isenta de tensões, e a riqueza cultural que advém de um mundo crescentemente multifacetado deve ser acomodada, explicada e potenciada pela educação na escola. Do momento agudo em que se escrevem estas palavras resulta claro, claríssimo, que educar para a cidadania é o alicerce para uma sociedade que se querará com menos espaço para extremismos por ser crescentemente inclusiva e valorizadora da diferença e dos direitos próprios. Por outro lado, educar, neste primeiro quartel do século XXI, há de implicar desenvolver ferramentas para o pensamento crítico das crianças e jovens, e dotá-las para o debate de ideias diversas, opostas e, portanto, permitir-lhes pensar pela própria cabeça, destrinçar entre a torrente de informação e contrainformação que nos submerge diariamente. Tornou-se ainda mais evidente, com o atual conflito no leste europeu, que a educação tem de promover em cada estudante o seu livre arbítrio, levando-o a distinguir a parte do todo, a recusa de juízos sumários, a identificar os vários tons de cinzento que se encontram entre o preto e o branco.
Quem está nas escolas, no terreno, ator na dialética educativa de hoje sentiu, e sente, a dificuldade dos estudantes na compreensão do porquê da guerra entre a Rússia e a Ucrânia; escutou e escuta sentenças de estudantes contra “a Rússia”… e é aqui que vemos o quão importante é o papel da educação e dos seus agentes, as escolas e os professores: a educação para o pensamento crítico e autónomo permite aos estudantes diferenciar entre as opções políticas de determinados governantes vs. o sentir e as ideias de uma população, permite compreender que um povo, uma cultura não se esgota numa decisão política ou militar. A dita sentença até poderá ser a mesma, mas o que importa é que os estudantes a façam educadamente, com conhecimento de causa e após reflexão própria.
Por estes dias – e sempre –, os professores são peças-chave no desenvolvimento holístico do pensamento dos estudantes, e as estratégias pedagógicas que aqueles desenvolvem podem fazer a diferença hoje mas, sobretudo, no amanhã: como bons exemplos, a aprendizagem cooperativa, planificada para destacar e promover a valorização da diversidade cultural na sala de aula (e em qualquer lugar); o debate, muito facilitador do ensino da História mas não só, em que os estudantes podem, e devem, ser desafiados a assumirem o lado contrário à sua interpretação do problema em debate, assim desenvolvendo uma visão empática sobre as duas faces que existem em qualquer moeda – o impacto desta estratégia pode ser muito potenciado através da participação nas simulações dos debates da ONU e do Parlamento Europeu, os ainda relativamente pouco conhecidos em Portugal, Model United Nations e Model European Parliament, que as escolas portuguesas podem organizar.
Importa, pois, cada vez mais, que a educação conduza os líderes do futuro a fazerem tudo quanto lhes seja possível pela “caneta” e não deem uso à “espada”.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico