“Enquanto acharmos que somos melhores a construir florestas do que a natureza, estaremos na direcção errada”

Para o escritor alemão Peter Wohlleben, não há luta contra as alterações climáticas sem florestas saudáveis. O melhor que podemos fazer para ajudá-las? “Nada.”

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O escritor e guarda-florestal Peter Wohlleben Tobias Wohlleben

As florestas não são só árvores. São ecossistemas complexos com insectos, fungos, mamíferos, bactérias, aves, plantas e pedaços de vida que vão brotando na sombra das árvores. É mais importante olhar para este sistema e para o papel das florestas no clima local do que para a necessidade de se obter madeira através do abate de árvores, defende Peter Wohlleben. Se encararmos as florestas como meras plantações de árvores, no futuro teremos somente “desertos verdes”.

O escritor alemão tirou o curso de Engenharia Florestal, mas prefere ser apresentado como guarda-florestal. Agora, escreve livros sobre ecologia, clima e biodiversidade numa linguagem acessível. O livro As Lições das Árvores – Como a floresta nos Pode Ensinar a Lidar com as Alterações Climáticas serviu de mote para esta entrevista e foi lançado em Portugal em Março de 2022 pela Pergaminho, que editou também A Vida Secreta das Árvores (2016) e A Vida Secreta dos Animais (2018). No livro mais recente, não tem dúvidas: “A floresta vai regressar, seria tão bom ainda cá estarmos.”

No livro diz que a natureza tem tempo, mas a maior parte dos humanos não tem. Acredita que as florestas acabarão por se adaptar independentemente das nossas decisões?
A floresta vai adaptar-se, não tenho quaisquer dúvidas. Quando se permite que as árvores cresçam onde querem, crescem em sítios em que não se esperaria. Como em muros de casas antigas, em ambientes mesmo muito secos. Enquanto acharmos que somos melhores a construir florestas do que a própria natureza, estaremos na direcção errada. Não há um único exemplo de uma floresta ou plantação artificial que funcione melhor do que uma floresta primitiva. Nem um único neste planeta. Temos de entender que, enquanto deixarmos as árvores organizarem a sua adaptação às alterações climáticas, há esperança. Enquanto acharmos que podemos fazer melhor, falharemos.

Quando se fala de alterações climáticas, as florestas são sobretudo vistas como reservatórios de carbono. Defende que elas são muito mais do que isto: têm um papel importante no clima, no arrefecimento, nas chuvas e ciclo da água. Isto tem sido ignorado?
Sem dúvida. Tudo o que vemos de momento é o debate sobre queimar madeira em centrais de carvão por causa das fortes acções de lobbying da indústria florestal naquilo que é tido como neutralidade carbónica. O principal efeito das florestas é a influência no clima local e isso já foi escrito em 1831. É sabido há muito tempo e toda a gente pode senti-lo nos jardins, nos parques das cidades, mas tem sido sempre desconsiderado.

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Salvaterra de Magos Rui Gaudêncio

Acha que as florestas podem vir a atravessar uma crise?
Sem dúvida que enfrentarão crises. Não sabemos a que temperatura é que isso acontecerá, mas a principal crise por agora são as perturbações pela exploração florestal ou o abate de árvores para propósitos agrícolas. Aquilo que sabemos é que as árvores podem aprender muito mais rapidamente do que aquilo que pensávamos, mesmo de um dia para o outro, através da epigenética. Sabemos que dão este novo conhecimento no mesmo ano às suas sementes e às próximas gerações. Portanto, as florestas podem adaptar-se muito mais rapidamente do que pensávamos.

Aqui em Portugal, enfrentámos um período de seca severa neste Inverno. Foram semanas sem chover. Como é que estas secas prolongadas – que se tornarão mais frequentes com as alterações climáticas – podem afectar as árvores?
Afectam-nas muito. E as árvores já sabem disto há mais de 300 milhões de anos e logo criam a sua própria chuva. Há muita gente que pensa que as florestas tropicais (rainforests, em inglês) crescem em certos locais por causa de chover lá muito. Mas não, é ao contrário: chove porque existem florestas tropicais. E quando se cortam essas florestas tropicais, tornam-se prados. Há milhares de anos havia uma floresta em torno do mar Mediterrâneo e, como sabemos, os romanos e outros cortaram essas árvores e substituíram-nas por florestas coníferas e isso significa que toda essa área, incluindo a Alemanha, se torna mais seca, seca, seca.

Hoje também existe a falácia de que podemos cortar as árvores, desde que voltemos a plantar outras. É incorrecto, certo?
É uma promessa de futuro. Dizem “vamos plantar uma nova árvore e essa árvore nova vai capturar o carbono da árvore velha que lançámos para a atmosfera através das centrais energéticas ou no seu uso para jornais, livros, mobília ou construir casas”, mas em média mesmo os produtos mais duradouros têm uma duração útil de 33 anos. Depois disso acabam por ser queimados. Portanto, voltam a libertar o dióxido de carbono e há a promessa de que as árvores novas o conseguirão absorver, mas isso é só uma aposta no futuro. Não sabemos mesmo se estas árvores novas e se as zonas de abate voltarão a ser florestas outra vez.

Há árvores que podem ficar extintas?
Tivemos a extinção de muitas árvores por causa da Idade do Gelo. Agora, creio que só haverá umas dezenas de espécies de árvores na Europa e creio que não teremos o problema da extinção. Por exemplo, as faias e os carvalhos viajam cada vez mais para Norte. O seu habitat natural para já é a parte sul da Escandinávia e conseguem sobreviver em zonas mais no Norte da Europa. Penso que esse não será o problema principal. O problema é se os ecossistemas completos conseguem sobreviver. Há dezenas de milhares de espécies e estimamos que 80 a 90% de todas as espécies não estão descobertas – incluindo bactérias, fungos e insectos, claro – e há tanta coisa que não conhecemos. Não sabemos se ficarão extintas ou não.

Em Portugal há muita discussão sobre o eucalipto – que é a árvore mais comum no nosso território e também uma das que mais arderam nos últimos anos –, sobretudo pela relação com os incêndios florestais. Concorda? Deveria haver mais variedade de árvores, sobretudo autóctones?
Estas alterações contam muito. As florestas naturais, primitivas, consistem sobretudo de diferentes espécies de carvalho e outras, que não ardem tanto nos incêndios florestais. Por natureza, estes incêndios eram um fenómeno muito raro. As plantações de pinheiros, por exemplo, aumentam o perigo de incêndios florestais e o eucalipto ainda é pior. Vemos estas temperaturas elevadas em incêndios florestais em zonas de eucaliptos, que até derretem carros e blocos de alumínio. Não é nada como teríamos num incêndio florestal ‘natural’. Portanto, são inteiramente causados pelos humanos.

Em termos de gestão florestal, qual é a melhor maneira de prevenir incêndios florestais?
A melhor maneira de prevenir é ter mais florestas naturais. Nas florestas naturais temos mais biomassa – que é o principal factor na questão do arrefecimento e da chuva –, mais árvores velhas, com cascas mais grossas, muito mais madeira morta. E há quem pense que florestas com uma maior quantidade de madeira morta ardem mais facilmente, mas é ao contrário. Há arvores que estão completamente repletas de água, mesmo em alturas mais áridas de Verão, portanto funcionam como uma esponja. Esta madeira morta em florestas naturais dificilmente arde. Tudo junto: ter mais florestas naturais, mais florestas húmidas, ter mais chuva nestas florestas. Devíamos olhar para os efeitos das florestas no clima local e menos para a madeira.

Chegou a traçar uma comparação entre a indústria madeireira e a indústria petrolífera. Acha que deveria haver acções mais imediatas para travar a exploração florestal?
Sim. Há muitos paralelos na argumentação destas indústrias. É um bocadinho como negar as alterações climáticas. Dizer que se queimarmos carbono isso pode ser neutro em carbono é absurdo. Deveria existir um imposto em produtos de madeira como existe para o petróleo, para o combustível, para o carvão. E deveria haver apoio financeiro dos Estados aos proprietários florestais em termos do efeito das florestas no arrefecimento e na precipitação e isso pode ser medido de forma muito eficaz através de mapas de satélites em que se vê perfeitamente como as florestas são mais frescas no Verão. Quanto mais quente está, mais madeira foi tirada de lá. Há uma conexão directa na gestão dessas florestas e deveria haver apenas benefícios fiscais para proprietários florestais que conseguissem ter florestas com temperaturas mais baixas do que a média.

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Tobias Wohlleben

Portanto, um imposto de carbono em que os proprietários que deixam a floresta intacta têm benefícios?
Exactamente. Se fôssemos perguntar às pessoas o que é que consideram ser mais importante no futuro – não ter 50 graus Celsius e um mês de seca ou ter mais madeira –, creio que a maior parte das pessoas preferia ter temperaturas mais baixas e mais chuva. Muitas florestas são propriedade do Estado, portanto muitas florestas deveriam ser geridas desta forma.

Diria que existe um problema na gestão florestal?
Há um grande problema. Aqui na Alemanha as autoridades que gerem as florestas estatais são as maiores vendedoras de madeira e são, ao mesmo tempo, as autoridades competentes que fazem esta gestão. Precisamos de controlo independente na gestão florestal, que não temos.

Refere no livro que muitas vezes a reconstrução de uma floresta acaba por ser encarada como a construção de uma fábrica de madeira.
Sim. Muitas vezes vemos só plantações. Muitas pessoas da indústria florestal acreditam que estão a criar uma floresta, mas isso é como querer ser Deus. As florestas albergam dezenas de milhares de espécies e aquilo que eles estão a fazer é só plantar duas ou três espécies de árvores. Em muitos casos, são árvores estrangeiras, como o eucalipto. Nas florestas, estamos a trocar espécies nativas por espécies não-nativas e depois a vida selvagem, de grandes mamíferos a insectos até às bactérias e fungos, irá morrer à fome. Ninguém reconhece isso. Aquilo que teremos depois são desertos verdes, mas oficialmente são florestas. Contam como florestas e há quem pense que está tudo bem – mas não está.

Plantar árvores também se tornou um hábito comum, mas pode não ser tão benéfico assim. Pode explicar porquê?
Plantar uma árvore sabe bem e é um sinal de esperança de quem quer fazer alguma coisa. Mas para proteger a natureza temos de parar de fazer coisas. É a razão para isto estar como está: estamos a fazer demasiado. Quando plantamos árvores, essas árvores vêm de viveiros de árvores, foram fertilizadas, foram regadas, portanto não estão preparadas para a vida selvagem. Depois têm raízes amputadas para serem facilmente transportadas, facilmente plantadas, mas estas raízes cortadas impossibilitam que as suas raízes possam tornar-se fundas.

Nos Verões mais secos, uma árvore com raízes rasas não será capaz de ter água suficiente. Então, teremos florestas muito danificadas. Não é um ecossistema, manter-se-á como uma plantação. O que muita gente pensa é que estamos a emitir gases com efeito de estufa, então estamos a plantar árvores que capturam dióxido de carbono e então somos neutros em carbono, o que é mentira. É só greenwashing [quando uma empresa ou organização diz ser amiga do ambiente, mas as suas acções o prejudicam]. Nos primeiros anos e até décadas, estas novas plantações até emitem mais dióxido de carbono do que as árvores jovens conseguem absorver. É uma boa ideia ter mais florestas, mas plantar árvores como compensação de gases com efeito de estufa é só greenwashing. Sabe bem, mas é só greenwashing.

E o que é que podemos fazer ao certo para ajudar as árvores e as florestas?
A melhor coisa que podemos fazer para ajudar florestas é nada. Não nos soa bem, porque não se pode olhar para isto e dizer “uau! Olhem o que não fizemos”. As árvores fazem isto sozinhas há mais de 300 milhões de anos e a humanidade só está neste pequenino planeta há 300 milhares de anos. A silvicultura existe há uns 300 anos e achamos que percebemos as florestas melhor do que a natureza. Não. A melhor coisa que podemos fazer é deixar as florestas sozinhas. Aquilo que podemos fazer quando queremos transformar solo arável em floresta é ter plantações iniciais de algumas árvores para ter sombra. Mas depois temos de as deixar sozinhas.

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Afife André Rodrigues

O que mais o preocupa em relação às florestas?
É que estamos a assistir aos maiores abates de árvores de sempre. Ao longo de centenas e milhares de quilómetros na Alemanha, por exemplo. Tínhamos denunciado há uns anos isto no Canadá, no Brasil, na Indonésia e agora temos o problema aqui. Devíamos parar isto de imediato, mas não sei se seremos capazes.

E qual é o maior mito que tem ouvido em relação a florestas?
É que a madeira é uma matéria-prima amiga do ambiente. É uma das matérias-primas mais sujas que temos nesta Terra. A madeira devia permanecer nas florestas. Se a vamos utilizar, deveríamos utilizá-la muito mais cuidadosamente, deveríamos ter muito mais reciclagem.

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