Eles ainda existem: o exemplo de políticos como Robert Habeck e Roberta Metsola

O vice-chanceler alemão e a presidente do Parlamento Europeu são exemplos raros de políticos que assumem plenamente a sua responsabilidade com autenticidade e sinceridade.

Na semana passada, assistimos às notáveis intervenções de dois importantes políticos europeus, que pouco noticiadas foram.

Uma delas, vinda de Robert Habeck, o ministro alemão da Economia e da Protecção Climática. Num conhecido talk show do canal de televisão alemã ZDF, Habeck explicou, de forma tão brilhante quanto clara e honesta, as consequências da guerra da Ucrânia para o abastecimento energético da Alemanha.

A outra personalidade política foi a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, que se deslocou a Kiev no final da semana, a fim de expressar a sua solidariedade para com o povo ucraniano.

Mas o que foi, afinal, tão extraordinário e merecedor de menção?

Robert Habeck, que, como “político verde”, se tinha deslocado na semana anterior, com o coração pesado, ao Qatar para estabelecer uma parceria energética com o emirado, visando substituir o gás russo, respondeu ao conhecido apresentador Markus Lanz de forma particularmente diferenciada e sincera.

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Robert Habeck, “político verde” e vice-chanceler no governo de Olaf Scholz REUTERS/Hannibal Hanschke

Quando Lanz criticou o ministro pela sua posição hesitante quanto a um embargo energético imediato contra a Rússia e reprovou a sua viagem ao Qatar, Habeck replicou de forma exemplar, dizendo em primeiro lugar que estava obrigado por juramento solene a não pôr em risco a prosperidade do país e afirmando, a propósito da viagem a Qatar:

“A convicção de que nós, na Alemanha, fazemos sempre tudo bem, e que só quando, em situações excepcionais, viajamos para o Qatar e compramos gás, é que estamos a fazer negócio com o diabo, com Belzebu, mas que em tudo o resto, quando vivemos a nossa vida quotidiana, quando enchemos o tanque dos nossos carros, quando colocamos a carne picada no nosso hambúrger, em tudo isto estamos sempre do lado dos bons, isso é algo que só pode acreditar quem nunca esteve numa fábrica de criação de suínos. Não, não é assim. Com a nossa vida quotidiana, estamos a deixar um rasto de destruição na terra e ainda nem sequer estamos a enfrentar esse problema.”

“Se formos honestos, temos de ter a coragem de dizer: tudo aquilo que fazemos tem consequências; nós não somos santos, mas podemos tentar, passo a passo, tornar as consequências um pouco menos más. E, na minha opinião, a visita ao Qatar é um pouco menos má, porque nos liberta do gás de Putin, que atacou um país e violou o direito internacional.”

“A Alemanha sempre se apresentou como se nós fizéssemos tudo melhor, como se soubéssemos tudo melhor; e depois aprovámos o Nordstream II no ano da anexação da Crimeia, e no ano seguinte transferimos parte da nossa infra-estrutura petrolífera para a Rosneft, a companhia petrolífera russa, no ano após a anexação da Crimeia! Os ucranianos agradecem-nos pelas armas, mas perguntam-nos, porque é que só as fornecem agora que o nosso povo já está a ser assassinado? Teria sido muito mais inteligente entregá-las antes e poderia até ter acontecido que nem sequer chegássemos a ser atacados; e nós só podemos dizer a nós próprios que estamos a fazer tudo bem, se partirmos de uma concepção política em que estamos sempre do lado moralmente correcto; o que não é o caso.”

“Afinal, os nossos carros andam com quê? Será possível que tenham no tanque petróleo da Arábia Saudita? Por acaso já alguém alguma vez pensou nisso? Eu não quero fugir à responsabilidade, mas em quase tudo, seja na extracção de produtos para todas as formas de telemóveis, computadores, etc., nós temos uma responsabilidade em relação a países por vezes difíceis e regimes difíceis e nunca nos preocupámos com isso; no entanto, em determinados pontos, descobrimos sempre, como dizer... a nossa consciência moral; e eu creio que este foco pontual, na realidade, não nos ajuda, ele paralisa-nos; o que nós precisamos é de um trabalho estrutural de mudança e de melhoria (…).”

Assim, o ministro alemão não só deixou claros os enormes desafios operacionais e as consequências do embargo ao gás russo até mesmo para a própria Ucrânia, mas também explicou, de forma directa e honesta, o grau de dificuldade de muitas das suas actuais decisões. E não deixou dúvidas de que, apesar dos custos das sanções para a sociedade alemã, isso pouco era em comparação com o sofrimento do povo da Ucrânia, afirmando que esse esforço teria de ser feito.

Já o caso de Roberta Metsola começou com a breve notícia, na sua conta do Twitter, “Estou a caminho de Kiev”, vendo-se uma fotografia sua em frente a uma carruagem de comboio. Por razões de segurança, Metsola não deu mais pormenores sobre a visita e, mais tarde, a fotografia foi apagada para que o seu itinerário não pudesse ser rastreado.

Num cenário de guerra e incerteza total, a presidente do Parlamento Europeu deslocou-se a Kiev para demonstrar o apoio e solidariedade da UE à Ucrânia.

Apesar do presidente da Camara de Kiev, Klitschko, ter avisado que “O risco de morrer em Kiev é bastante elevado, uma vez que há combates ferozes a norte e a leste da cidade”, Roberta Metsola não se ficou pelas palavras e demonstrou grande coragem ao viajar para a capital ucraniana.

Em entrevista à RTP, Metsola declarou:

“Eu vim cá porque queria ver com os meus próprios olhos, mas também para enviar uma fortíssima mensagem não só de solidariedade, mas de assistência e a promessa de que nunca abandonaremos a Ucrânia. Penso que precisamos de sanções mais duras, que precisamos de uma melhor aplicação das sanções já adoptadas, penso que temos de continuar a dar refúgio seguro aos milhões de ucranianos que fogem do país, mas julgo também que temos de reafirmar o nosso compromisso para com a reconstrução do país assim que terminar esta guerra terrível, para que as pessoas possam regressar em segurança às casas que amam e por que estão ansiosas. “

E, no seu discurso ao parlamento ucraniano, sublinhou:

“Obrigada por me convidarem a vir a Kiev para me dirigir à Rada. É uma honra estar aqui entre vós, colegas deputados europeus. Mas, mais do que isso, é um dever para mim estar aqui. É um dever que tenho de cumprir. Uma responsabilidade para convosco, na linha da frente. Para mostrar ao mundo que, mesmo na escuridão da guerra, a democracia parlamentar é a luz.

Estou aqui hoje, como representante do Parlamento Europeu, dos povos da Europa, para vos dizer uma coisa. Estamos convosco. Em tempos bons, e em tempos menos bons, estamos convosco.

Zelenskii considerou a visita de Metsola como “um poderoso sinal de apoio político” e agradeceu a “ajuda global”, financeira, militar e humanitária da Europa.

São, pois, dois exemplos de políticos que não se ficam por discursos de domingo, mas dizem verdades incómodas e fazem seguir os seus discursos por actos.

É raro, hoje em dia, encontrarem-se políticos deste calibre. A maioria apenas segue cálculos e interesses partidários e estratégias de preservação do poder, não ousando tomar posições abertas e sinceras em público e escondendo-se atrás de generalidades sem significado para não prejudicarem a sua reputação. Porém, é precisamente por isso que lhes falta seriedade e credibilidade, o que resulta num elevado nível de frustração em relação à política. A maioria das pessoas sente que as suas preocupações não são representadas pela política, o “lobbyismo” e a preservação do poder a curto prazo no ciclo eleitoral que determinam hoje a política. Os chamados representantes do povo só mostram interesse pelo “soberano” antes das eleições seguintes, atraindo-o então com promessas populistas.

Transpondo agora a bitola dos dois políticos citados para a política portuguesa, vejamos dois exemplos:

O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, durante a(s) sua(s) visita(s) a Moçambique, ao invés de cortejar o presidente Nyusi e o corrupto regime moçambicano, podia e devia, a bem do povo de Moçambique, seguir o exemplo de Robert Habeck – que, apesar de visitar o Qatar como “pedinte”, abordou abertamente a questão dos direitos humanos no Qatar durante a sua visita.

E, ao contrário da corajosa viagem de Roberta Metsola em solidariedade com a Ucrânia, os responsáveis políticos portugueses, em geral, limitam-se a sermões dominicais e declarações bem-sonantes, sem lhes dar seguimento com actos. Em relação às sanções contra os oligarcas russos, o governo português anunciou apenas que foram congelados 242 euros da conta de um oligarca que consta na lista de sanções da UE. Isso levou um grupo de cidadãos de renome a escrever uma carta aberta ao primeiro-ministro, António Costa, pedindo a criação “urgente” de uma task force especializada que permita identificar e depois aplicar sanções a oligarcas e a entidades russas.

Não será por acaso que a abstenção nas eleições legislativas de 30 de Janeiro passado atingiu os 42%, um valor que, segundo os dados da Comissão Nacional de Eleições, representa um aumento contínuo nos últimos 46 anos.

Talvez políticos e instituições que demonstrem mais coragem e autenticidade possam contrariar esta tendência de divórcio entre os cidadãos e a política. Pelo menos, seria um passo na direcção certa.

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