O olhar de uma educadora de infância sobre o autismo

Temos de investir na formação, no número de recursos humanos, nos técnicos especializados e no tempo que estes estão com as crianças. Este sábado assinala-se o Dia Mundial da Consciencialização do Autismo.

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Paulo Pimenta/Arquivo

O percurso escolar de uma criança com autismo representa, sem dúvida, um desafio quer para a família, quer para os profissionais da educação que diariamente a acompanham, quer para a sociedade em geral.

A singularidade desta perturbação de desenvolvimento faz com que se percorram caminhos, por vezes desconhecidos e incertos, levando a uma reflexão constante sobre qual a melhor forma de proporcionar aprendizagens significativas e adequadas à criança, em contexto escolar, indo desta forma ao encontro das suas necessidades e especificidades.

Nesses caminhos, percorridos lado a lado com a família, a relação de confiança que se estabelece, é o motor para que juntos, mantenhamos o foco no mais importante: a criança, o seu desenvolvimento e a sua integração num contexto mais alargado, a escola.

Durante a minha prática, e ao longo de três anos, tive a oportunidade de acompanhar uma criança com autismo. Inicialmente, ainda sem diagnóstico definido, mas com as observações diárias e com a ajuda da família e da equipa multidisciplinar, fomos notando algumas alterações ao nível do comportamento e no desenvolvimento da criança.

As dúvidas foram constantes. Questionei-me tantas vezes: “Como vou conseguir adaptar as atividades do grupo à criança?”, “Como vou ajudar a controlar o seu comportamento?”, “Estará o espaço adequado?”. Perante tanta incerteza e alguma angústia, senti-me, na altura, impotente, mas lembro-me de ter pensado “e se fosse o meu filho?”, e percebi que a resposta a essa pergunta estava ali mesmo à minha frente e que, tal como outra criança, apenas queria que aquele aluno fosse feliz na escola, na sua sala com os seus pares e com os adultos.

Este foi sem dúvida o maior dos desafios para a equipa de sala, para a criança, para a família e para o grupo de crianças do qual todos fazíamos parte. O meu objetivo foi sempre garantir o bem-estar de todos e proporcionar um ambiente educativo aberto à diversidade.

Não foi um caminho fácil, todo este processo implicou mudanças. Mudanças na postura e nas atitudes dos adultos, no próprio espaço que sofreu inúmeras alterações ao longo do tempo para ir ao encontro das necessidades e interesses de todos e, mudanças na apresentação e na execução das atividades pedagógicas (nem sempre possíveis de concretizar).

Quanto ao grupo de meninos que me acompanhou neste processo, foi sempre, ao longo destes três anos, surpreendente na forma como “cuidava”, como “acalmava” e principalmente na forma como o compreendia e o respeitava.

O que sempre prevaleceu foi o afeto que de uma certa forma acalmou e ajudou a controlar os comportamentos mais agitados, o tempo (mesmo parecendo escasso) de estar, de pesquisar e de aprender mais sobre as estratégias para lidar com determinados comportamentos, de forma a potenciar aprendizagens significativa.

Importante também foi o envolvimento e a parceria de toda uma equipa e da família, o aceitar e o respeitar, aceitar ainda que todos erramos e refletir no que podemos fazer melhor e, sempre e acima de tudo, o respeito pelo outro.

Atualmente, sinto que ainda caminhamos a passos lentos para uma educação inclusiva. Falamos muito de sociedade inclusiva e de escola inclusiva, mas temos de investir muito mais. Temos de investir na formação, no número de recursos humanos, nos técnicos especializados e no tempo que estes estão com as crianças. Investir também na criação de ambientes diversificados tendo em conta as necessidades de cada criança e mudar o olhar e a postura de todos os intervenientes, porque acredito que não é a criança com necessidades educativas especiais que tem de se adaptar à escola, mas sim a escola à criança.

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