Educar para a paz nas escolas portuguesas

Os alunos refugiados da Ucrânia chegarão com uma profunda carga psicossocial, resultante do que viram e experienciaram. O stress extremo a que muitos estiveram expostos pode resultar em quadros de ansiedade, depressão, medo, raiva e isolamento, com impacto direto no seu desempenho escolar.


Depois de dois anos a ajudar alunos e famílias a lidar com as complexidades impostas pela pandemia, surge um novo desafio para as escolas. É urgente, mais do que nunca, garantir que temos as escolas de que precisamos para fazer face aos desafios que se advinham com a chegada de alunos refugiados. Apoiar as crianças e jovens deve ser uma prioridade em todos os cenários.

Os alunos refugiados chegarão com uma profunda carga psicossocial, resultante do que viram e experienciaram. O stress extremo a que muitos estiveram expostos pode resultar em quadros de ansiedade, depressão, medo, raiva e isolamento, com impacto direto no seu desempenho escolar. Estes alunos enfrentarão ainda a barreira do idioma, que pode ser um caminho rápido para a desilusão, desinteresse e, dependendo da idade, até abandono escolar. A este propósito, importa referir que foi publicado, em fevereiro de 2022, pelo Ministério da Educação, um despacho que pretende assegurar o acesso à educação e a melhoria do sucesso educativo dos alunos imigrantes recém-chegados que não tenham o português como língua materna ou que não tenham tido o português como língua de escolarização, numa abordagem descentralizada sob responsabilidade dos diretores de Escola.

Por outro lado, no âmbito da rede de Centros Qualifica, existem 100 escolas no país que podem ministrar “Cursos de Português Língua de Acolhimento - PLA” para adultos imigrantes. O ACM – Alto Comissariado para as Migrações tem no seu site uma zona “SOS Ucrânia” muito completa, que canaliza imigrantes para estes centros.

Envolver os atores certos, nomeadamente as comunidades de ucranianos já residentes, pode ser essencial neste processo. A educação de qualidade é um investimento social a longo prazo, tanto na perspetiva dos países de acolhimento como na da construção da paz e da estabilidade nos países de origem dos refugiados. Considerando que alguns destes alunos acabarão por regressar, as competências que adquirirem nos países agora acolhedores serão ferramentas essenciais a aplicar mais tarde nos processos de reconstrução e transformação dos seus países de origem. Todos temos responsabilidade.

Os alunos ucranianos que já frequentam as nossas escolas têm assistido, nos últimos dias, à invasão do seu país, à angústia das suas famílias. São alunos que estarão naturalmente inquietos, preocupados e que terão, eventualmente, maior risco de exclusão a curto, médio e longo prazos. Muitas famílias receberão em casa familiares refugiados, aumentando o seu risco de fragilidades socioeconómicas. Estas crianças e jovens terão as suas vidas desorganizadas e uma maior probabilidade de insucesso escolar nos próximos tempos.

Os alunos russos e bielorussos, sem qualquer papel nesta história, podem começar a ser vítimas, eles próprios ou as suas famílias, de discursos de ódio e xenofobia. Muitos alunos vão sentir-se isolados e desamparados. A combinação do medo, sentimento de impotência e isolamento pode levar ao desespero, à apatia ou até à alienação, tudo atributos destrutivos num indivíduo e, a médio/longo prazo, uma ameaça às sociedades democráticas.

Todos os alunos no geral, embora saibam que o conflito está, por enquanto, a milhares de quilómetros de distância e num país que lhes diz pouco, são bombardeados diariamente com imagens e sons de uma guerra que não entendem, que não sabem gerir e que lhes causa um sentimento de insegurança.

Os serviços de psicologia de cada escola, bem como os técnicos que trabalham em programas de promoção da saúde mental e/ou do sucesso escolar, terão um papel fundamental na identificação, acompanhamento e encaminhamento de situações que mereçam uma atenção especial.

De uma forma geral, para fazer face a este desafio de apoio e inclusão de todos, precisamos de escolas atentas às necessidades de cada aluno mas, em especial, de escolas atentas ao trauma e capazes de garantir ambientes seguros, solidários e acolhedores e relações de confiança que ajudem os alunos a autorregular o seu comportamento, emoções e atenção, promovendo assim o seu bem-estar e sucesso escolar.

Precisamos, mais do que nunca, de escolas que eduquem para a paz.

A garantia de acesso ininterrupto a uma educação segura e a modelos de intolerância face à violência e a qualquer tipo de discriminação será para todos os jovens afetados por esta guerra, direta ou indiretamente, um passaporte para um mundo melhor.

Talvez este seja o momento certo para nos unirmos e ajudarmos a construir esse mundo.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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