Vladimir Putin, o trucidador

O risco reputacional de se ser percecionado como colaboracionista face a Putin potencia a força coerciva das sanções aplicadas à Rússia por UE, EUA e Canadá, Reino Unido, Suíça e outros países.


A Suíça excluiu a aplicação da neutralidade à intervenção militar russa na Ucrânia e tomou parte contra a Rússia, aderindo à aplicação do pacote de sanções impostas pela União Europeia, incluindo contra o Presidente Vladimir Putin e outros dignitários. Esta decisão reconheceu um marco civilizacional do séc. XXI, sobre o repúdio que suscitam à comunidade internacional as violações ao direito das gentes e aos direitos humanos perpetrados contra a Ucrânia, através de ação militar letal, ilegítima e imoral, trucidando civis e crianças. Revestindo elevado simbolismo, posto que a política de neutralidade é um eixo da política externa suíça, instituída no Tratado de Paris em 1815 e mantida durante a I e II Guerras Mundiais, mesmo perante o holocausto nazi.

A força coerciva das sanções decididas pela UE, Canadá, EUA, Reino Unido, Suíça e outros países parece estar a ser subestimada, incluindo pelo trucidador Putin. Isto, porque o marco de repúdio civilizacional a que aludi potencia a eficácia destas sanções devido à correlação com a nova geração de meios de cooperação internacional em matéria de transparência e integridade e com o risco reputacional de se ser percecionado como colaboracionista face a Putin.

Venho advogando que estes meios podem surpreender, atendendo ao fôlego dos avanços tecnológicos e jurídicos de fiscalização atuais e em desenvolvimento, incluindo da finança descentralizada que não é tão anónima quanto por vezes se afirma. Reforçados também pela força hercúlea da aplicação extraterritorial pelos EUA das suas leis e sentenças ou da capacidade da Aliança “five eyes” [Austrália, Canadá, ​EUA, Nova Zelândia e Reino Unido] de escrutinar o armazenamento e trânsito de dados ou dos fluxos financeiros entre jurisdições ou partes não cooperantes. Acresce que a materialização do risco reputacional de “colaboracionista de Putin” originará uma reprovação moral que pode fazer explodir a licença social do envolvido e determinar o seu perecimento, posto que a realidade confirma que na era online a reputação é o mais importante ativo de uma entidade ou pessoa. Sem surpresa, a corporate governance e os consumidores respondem com auto-abstenção à pergunta “Não é proibido, posso fazer operações associadas à Rússia ou Bielorrússia?” Propagando uma dinâmica que ampliará as sanções a um boicote de facto e confirmando que vivemos em era de economia reputacional - como analisei no artigo OE 2018: vamos mas é almoçar? -, centrada na sustentabilidade da criação e preservação de valor, e da importância de priorizar a reputação da empresa no melhoramento da sociedade, em vez de na maximização do lucro.

Faço notar que o marco de repúdio civilizacional ou as sanções que mencionei não podem servir de cortina de fumo para a evidência de que a UE não se preparou para o que agora enfrenta. O embaixador José Cutileiro ofereceu lúcidos alertas, como os que se seguem: “A História raramente se repete, Mark Twain disse que às vezes rima, mas também há quem a queira emendar. Neste ano da graça de 2017, com a Europa virada para dentro, obcecada pelo risco de se desagregar, Putin labuta, aproveitando oportunidade para corrigir o que, para as suas luzes, foi falta imperdoável de Gorbatchov e, depois, de Ieltsin: esquecerem a grandeza da Rússia, deixando de caminho os seus irmãos ortodoxos sérvios à mercê dos poderes do Ocidente. E quando a Europa estiver menos ensimesmada, olhar outra vez para fora e reparar de novo nos Balcãs, talvez já seja tarde demais.” Alertou igualmente para que, “se não houvesse sido abandonada de maneira tão radical e inédita pelo grande irmão eslavo, a Sérvia não teria saído derrotada da crise da ex-Jugoslávia. E foi a fraqueza russa nesses anos que encheu Putin de vergonha ressabiada e lhe deu o duro génio de vinganças que nada parecer fartar”.

Generais da NATO, com o mais elevado grau decisório, alertaram para os perigos reais de armas hipersónicas da Rússia ou de um Pearl Harbor tecnológico, sendo notórias as interferências de hackers em processos eleitorais ocidentais, alegadamente a mando da Rússia.

Tudo em vão? É tempo de retomar a essência da integração europeia e de perceber onde mora o futuro. Neste sentido renovo o alerta que fiz na entrevista a este jornal em 2019: “É fundamental reabilitar e renovar o projecto europeu, que há muito tempo se desviou dos seus objectivos e estará, porventura, numa deriva económico-financeira que atentará contra a sua subsistência”.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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