Corte de electricidade tem riscos reduzidos de libertar radiação em Tchernobil

Especialistas dizem que o combustível nuclear usado não representa um grande perigo, se a electricidade for reposta rapidamente. A situação das centrais nucleares activas ucranianas no meio da guerra continua a preocupar.

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Tchernobil, com a nova estrutura de confinamento do reactor 4 acidentado colocada sobre o velho sarcófago Reuters/Gleb Garanich

Embora a Ucrânia tenha anunciado nesta quarta-feira que havia o risco de “libertação de substâncias ​radioactivas” na central nuclear desactivada de Tchernobil, depois de ter sido cortado o abastecimento de energia eléctrica à central durante os combates com as forças russas, a Agência Internacional de Energia Atómica (IAEA, na sigla em inglês) assegurou que “neste caso não vê nenhum impacto crítico na segurança”. Mas o problema necessita de solução urgente: “Não há um risco imediato desde que se possa restaurar a electricidade rapidamente”, explicou ao PÚBLICO Najmedin Meshkati, especialista na redução do risco de sistemas tecnológicos de grande escala, como centrais nucleares e refinarias.

Em causa não estão os reactores, pois Tchernobil é uma central nuclear desactivada. O reactor 4, que explodiu em 1986, está confinado por um sarcófago de betão e por uma outra estrutura, instalada em 2016 e que deve durar pelo menos 100 anos. A sua construção, que custou 2100 milhões de euros, foi financiada pela União Europeia, através do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento, explicou Meshkati, professor na Universidade da Califórnia do Sul (Estados Unidos), numa conversa através da Internet.

O alerta foi dado pelo ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano Dmitro Kuleba em relação à piscina onde é refrigerado o combustível nuclear usado. Sem haver electricidade vinda do exterior seria preciso confiar nos geradores a diesel para manter a água destas piscinas de refrigeração em circulação, disse o ministro, e em Tchernobil, ocupada pelas tropas russas desde o início da invasão da Ucrânia, só há diesel para os alimentar durante 48 horas, e poucas hipóteses de reabastecimento: os militares russos não deixam entrar lá ninguém. “Depois disto, os sistemas de refrigeração do combustível usado vão deixar de funcionar, tornando iminentes as fugas de radiação”, afirmou.

Mas não há um risco imediato, nota Meshkati. “O combustível usado que está na piscina já não está muito quente, por isso não é preciso haver circulação constante de água”. A IAEA avançou que “devido ao tempo que já se passou desde o acidente nuclear de Tchernobil, em 1986, a carga de calor da piscina de armazenamento do combustível nuclear usado e volume de água na piscina são suficientes para manter o arrefecimento, sem a necessidade de energia eléctrica”. Mas esta situação não se pode prolongar. “Claro que se não tiver circulação nenhuma de água, o calor pode acumular-se”, sublinhou Meshkati.

“O calor vem do decaimento natural dos produtos de fissão nuclear, que foram produzidos pelas reacções de fissão no reactor. O período em que é necessário arrefecimento activo (através de bombas movidas por electricidade, diesel, vapor…) é de cinco a dez anos depois de o combustível ter sido retirado do reactor”, diz por seu lado Leon Cizelj, responsável da divisão de engenharia de reactores do Instituto Jožef Stefan, em Ljubljana, na Eslovénia.

Mas durante quanto tempo é que Tchernobil se pode manter em segurança sem electricidade? “Podemos fornecer energia à piscina de combustível usado com geradores a diesel de emergência. São enormes máquinas que produzem electricidade, consomem muito combustível, são pouco fiáveis, e muito dadas a problemas. Precisam do seu próprio sistema de arrefecimento — se não sobreaquecem, como aconteceu em Fukushima, e param de funcionar”, explica Meshkati.

Como se trata de uma central desactivada, e o combustível nuclear que lá está já teve tempo de dissipar energia, não se desenha um cenário tão grave como o da central japonesa, onde o sismo e tsunami de 2011 cortaram o fornecimento de energia. “Sem electricidade, a piscina do combustível usado em Fukushima ficou sem circulação de água, e esta começou a ferver por causa do calor. O vapor reagiu com o revestimento de zircónio da piscina e criou bolhas de hidrogénio que explodiram, espalhando radiação”, explica Meshkati, que visitou a central japonesa após o acidente.

Nada disso é esperado em Tchernobil. “No pior cenário, as consequências em termos de radiação serão reduzidas às imediações dos edifícios com o combustível usado. Fora da zona de exclusão de Tchernobil serão negligenciáveis”, diz Cizelj.

Uma questão europeia

Najmedin Meshkati deixa ainda um alerta para a União Europeia sobre a forma de agir relativamente à situação de Tchernobil ocupada pelos russos: “Se a UE gastou tanto dinheiro a garantir a segurança do reactor 4, isso quer dizer que Tchernobil tem importância e implicações de segurança críticas para todo o continente europeu. É por isso que penso que a UE devia mudar o seu paradigma neste assunto e usar o seu peso neste assunto”, aconselha o cientista.

Um outro país pode estar mais interessado ainda do que a Ucrânia na segurança de Tchernobil: a Bielorrússia, cujo Presidente, Alexander Lukashenko, se aliou a Vladimir Putin. “A cidade que mais sofreu com a radiação após o acidente de Tchernobil em 1986 foi Gomel, na Bielorrússia. Se eu estivesse no lugar do Presidente Lukashenko, imploraria ao Presidente Putin que restaurasse a energia a Tchernobil e declarasse que aquela era uma área desmilitarizada. Porque ele é o principal interessado no que ali acontece, mais até do que o Presidente Zelinskii. Kiev está mais distante de Tchernobil do que Gomel”, sugeriu Meshkati.

Mas além de Tchernobil, há quatro centrais nucleares activas na Ucrânia, que garantiam 50% da energia eléctrica do país, e que estão em risco nesta guerra. A maior de todas, Zaporizhzhia, já foi ocupada também por forças russas, depois de um bombardeamento, e estão cortadas quase todas as comunicações com o exterior, incluindo a monitorização da radioactividade. “Acho que estão entre a espada e a parede. Por um lado, precisam de fornecer energia à sua população, e a electricidade está a tornar-se escassa. Mas por outro, estas centrais estão a tornar-se um alvo para os russos”.

Uma opção é desligá-las, mas isso “não é tão fácil como girar a chave do carro”, diz Meshkati. “Há muito calor residual nos reactores nucleares, que tem de ser dissipado, e para isso são necessárias grandes bombas de água para fazer circular a água e arrefecer os reactores. Para isso também é preciso haver electricidade, que tem de vir do exterior das centrais.” Mas se houver uma falha da rede eléctrica que afecte uma central nuclear activa, diz o cientista, “vai ser um problema sério.” Um possível passo em frente será a presença de Rafael Mariano Grossi, o director-geral da AIEA, nas negociações de Antalya, na Turquia, entre a Ucrânia e a Rússia nesta quinta-feira.

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