Acidente nuclear de Fukushima foi uma catástrofe provocada pelo homem

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Kiyoshi Kurokawa, o coordenador da comissão TORU HANAI/REUTERS

Houve falta de coordenação na resposta e de preparação para um desastre que era previsível, conclui inquérito oficial

A catástrofe na central nuclear de Fukushima, após o sismo e tsunami ocorridos a 11 de Março de 2011, não pode ser catalogada como um desastre natural. Foi um "desastre provocado pelo homem", causado pelo conluio entre o Governo e o indústria nuclear e as convenções conformistas da cultura japonesa, concluiu uma comissão de inquérito mandatada pelo Parlamento japonês.

A central nuclear de Fukushima Daiichi, com seis reactores nucleares, ficou seriamente danificada após o tsunami, causado por um sismo de magnitude 9 na escala de Richter, ter destruído os sistemas de arrefecimento dos reactores, levando a várias fusões em cadeia e à libertação de radioactividade. Foram necessários nove meses de trabalhos para declarar a central estabilizada. O acidente de Fukushima foi considerado o mais grave desde o acidente de Tchernobil, na Ucrânia, em 1986. Cerca de 150.000 pessoas, que moravam a 20 quilómetros da central ou em localidades contaminadas, foram forçadas a abandonar as suas casas devido aos riscos para a saúde. A radioactividade chegou a vários alimentos produzidos na província de Fukushima, principalmente legumes, vegetais e leite.

Nesta quinta-feira foi divulgado o relatório final da comissão de peritos criada pelo Parlamento nipónico em Maio de 2011 para avaliar a gestão da crise e fazer recomendações para o futuro. Após 900 horas de entrevistas a mais de 1100 pessoas, o documento final tem 641 páginas. Kiyoshi Kurokawa, o coordenador da comissão, afirmou que o desastre "deveria e poderia ter sido previsto e prevenido" e os seus efeitos "mitigados por uma resposta humana mais eficiente".

O relatório contradiz descrições da actuação do primeiro-ministro da altura, Naoto Kan, como tendo sido decisiva, obrigando o operador da central, a Tepco ((Tokyo Electric Power Company), a não abandonar a central nuclear. O documento diz mesmo ter encontrado graves deficiências na actuação do Governo, nomeadamente de Naoto Kan, que se demitiu no ano passado, depois de críticas à forma como geriu a crise, e dos responsáveis da central. Por outro lado, não encontrou provas de que a empresa tencionasse retirar todos os trabalhadores da central no pior momento.

A intervenção directa do gabinete do primeiro-ministro nos trabalhos de emergência na central nuclear provocou uma quebra na cadeia de comandos nas primeiras horas da crise. "Durante a investigação, a comissão encontrou uma ignorância e uma arrogância que não têm desculpa para qualquer pessoa ou organização que lide com energia nuclear", afirma o relatório, que disse ter havido uma quebra de comunicação entre o governo e a empresa, adianta o New York Times, a partir de Tóquio, que leu o relatório (por ora existe apenas em japonês).

Este painel de peritos considera que houve várias oportunidades perdidas e que a companhia poderia ter adoptado medidas para evitar o acidente, anos antes de este acontecer. "A direcção da Tepco estava consciente dos atrasos nos trabalhos anti-sísmicos e nas medidas contra tsunamis. Sabia que Fukushima era vulnerável."

Um inquérito anterior à catástrofe de Fukushima, mandatado pela Tepco, foi usado pela empresa para se desculpar de qualquer responsabilidade, afirmando que o forte sismo e a dimensão do tsunami ultrapassaram todas as previsões e não poderiam ter sido previstos. O relatório final desta comissão de inquérito considera que isso "parece ser uma desculpa para fugir às responsabilidades".

A catástrofe de Fukushima "é o resultado de um conluio entre o Governo, as agências de regulação e a Tepco, e de uma falta de gestão naquelas instâncias", afirma o documento. A comissão de inquérito também culpou as convenções culturais e a relutância em questionar a autoridade como factores agravantes da catástrofe.

O relatório recomenda a criação de um comité permanente para acompanhar o trabalho das autoridades reguladoras do sector da energia nuclear. Kurokawa, o coordenador da comissão, espera que estas conclusões sejam utilizadas para reforçar o sistema de regulamentação nuclear no futuro e ajudar as populações desalojadas pelo acidente nuclear, noticiou a televisão japonesa NHK.

Os peritos manifestaram alguma preocupação perante a possibilidade de o Japão vir a reactivar a sua rede de reactores nucleares (50) que, antes da catástrofe de Fukushima, eram responsáveis por 30% da electricidade consumida. Apenas um deles, na central Ohi - gerida pela Kepco (Kansai Electric Power Company) -, está em funcionamento. Foi reactivado segunda-feira e começou ontem a produzir energia. Mas a sua segurança é duvidosa: pode existir uma falha sísmica por baixo da central Ohi.

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