Presidente tunisino dissolve Conselho Superior de Magistratura, uma “decisão ilegal”

Saied aproveitou o aniversário do assassínio de um político de esquerda para se livrar do órgão judicial independente, um dos poucos que ainda lutava contra o seu crescente poder.

Protesto no nono aniversário do assassínio de Chokri Belaid, em Tunes
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Protesto no nono aniversário do assassínio de Chokri Belaid, em Tunes EPA/MOHAMED MESSARA
Saied, eleito em 2019, dissolveu o Parlamento em Julho
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Saied, eleito em 2019, dissolveu o Parlamento em Julho Reuters/MUHAMMAD HAMED

Muitos tunisinos denunciam há meses a concentração de poderes e os abusos do Presidente, Kais Saied. Depois de dissolvido o Parlamento e com o chefe de Estado a governar por decreto (mesmo depois de ter nomeado um novo governo), restavam à frágil democracia tunisina poucos órgãos e instituições capazes de exercer a sua influência de forma independente. Era o caso do Conselho Superior de Magistratura (CSM), que nomeia os juízes do país e que Saied acaba de enterrar.

“A decisão é ilegal e uma assimilação directa [dos poderes deste órgão por parte] da presidência”, reagiu Youssef Bouzakher, presidente do CSM, em declarações à Reuters.

Saied, professor de Direito Constitucional antes de concorrer à presidência, em 2019, tem acusado os juízes de abusarem do seu poder – em Janeiro, revogou privilégios financeiros aos membros do CSM, afirmando que faziam nomeações de juízes em função da lealdade à sua liderança e em troca de dinheiro. Agora, no vídeo em que anunciou a decisão de dissolver este órgão, acusou-os de corrupção e de terem atrasado alguns procedimentos, incluindo as investigações sobre o assassínio de dois políticos de esquerda, em 2013.

“O lugar deles não é onde se sentam, mas no banco dos réus”, afirmou o Presidente. “A partir deste momento, o CMS pertence ao passado.”

O Movimento 25 de Julho, que reúne os apoiantes de Saied, tinha-lhe pedido horas antes que dissolvesse o CMS para “purgar” o poder judicial de “magistrados corruptos”. Tanto o Movimento como o próprio Saied apelaram aos tunisinos para se manifestarem contra o CMS este domingo, juntando-se assim ao protesto há muito previsto para assinalar o aniversário do assassínio de Chokri Belaid, dirigente da Frente Popular, uma coligação de partidos de esquerda e extrema-esquerda, morto a tiro em casa, a 6 de Fevereiro de 2013.

O alvo de Saied é o Ennhada, o partido islamista moderado que venceu as primeiras eleições democráticas na Tunísia, depois da revolta de 2011, e que foi a principal formação em sucessivos governos. Muitos tunisinos, profundamente anti-islamistas, acreditam que o Ennhada bloqueou uma verdadeira investigação independente à morte de Belaid.

“Peço aos tunisinos que se manifestem livremente”, disse Saied, numa referência à concentração marcada por sindicatos e partidos da esquerda secular. A Reuters nota que, ao contrário dos protestos do mês passado contra o Presidente, desta vez a polícia limitou-se a montar barreiras de segurança, mas não confrontou os manifestantes.

Maior força no Parlamento dissolvido por Saied em Julho, o Ennhada, que inicialmente apoiou a sua presidência, tornou-se, entretanto, no seu maior opositor.

Em conversa com a Al-Jazeera, a jornalista Elizia Volkmann, que vive em Tunes, descreve a batalha entre Saied e o CSM como um “confronto de vontades”. “Saied tem dito que há provas contra juízes corruptos”, “o Conselho tem lutado pela sua independência”, acusando o Presidente de “estar a tentar perseguir certos partidos e políticos, algo que o poder judicial não tem facilitado”, resume.

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