Duarte Marques: militares da GNR portaram-se “pior do que animais”

O responsável do PSD pela área da Administração Interna no Parlamento considera que os acontecimentos de Odemira são, “do ponto de vista moral e ético”, similares ao assassinato do cidadão ucraniano pelo SEF. “A provar-se que é verdade, aquela gente comporta-se pior do que animais. Já vi animais bem mais decentes”, afirma ao PÚBLICO.

Foto
Duarte Marques, à direita, ao lado de Duarte Pacheco LUSA/ANTÓNIO COTRIM

Duarte Marques foi apoiante de Paulo Rangel, mas acha que Rui Rio “está mais do que preparado para ser primeiro-ministro”. Responsável pelas questões da Administração Interna no Parlamento, vai agora deixar de ser deputado. Defende a aprovação das bodycams nas fardas dos polícias, porque “vai permitir apurar a verdade”. Em entrevista ao programa “Interesse Público", no dia do arranque do congresso do PSD, diz ficar “estupefacto quando há sindicatos que vêm defender polícias ou GNR que fizeram coisas inacreditáveis”.

Concorda com Pedro Rodrigues, que apela ao líder do PSD para negar qualquer possibilidade de coligação ou de acordo parlamentar com o PS?
Nós na política nunca podemos dizer que nunca. O que eu acho errado é o PSD fazer uma campanha eleitoral nessa perspectiva. Ou seja, a dizer que, se ficar em segundo, vai apoiar um governo socialista. O que deve é perguntar a António Costa se, quando perder as eleições, e se o PSD não tiver maioria absoluta, está disponível para dar o apoio parlamentar do Partido Socialista a um Governo PSD. Não pode ser o PSD a colocar-se no papel de eterno segundo.

Rui Rio tem dito que quer o apoio do PS se o PSD ficar em primeiro…
Acho que essa é a forma de colocar o assunto. Nós temos é permitido demasiadas vezes que se coloque essa questão na perspectiva do PSD apoiar o PS. O PSD quer ganhar as eleições com maioria absoluta. Se tal não for possível, contamos com o espírito construtivo que o PS tanto reclama aos outros. A tradição do PSD é apoiar governos minoritários do PS impondo condições e fazendo exigências. Temos várias experiências dessas. António Costa é que inaugurou o contrário, que foi recusar-se a apoiar um governo que veio limpar a porcaria que o PS deixou no país.

Não acha então que se deva negar qualquer coligação ou acordo parlamentar com o PS?
Não, acho que não. O PSD, ao contrário do PS, não exclui ninguém. O parceiro mais fácil do PSD num acordo parlamentar será naturalmente o CDS, a Iniciativa Liberal. E, muito antes do PCP e do Bloco de Esquerda, é o PS. Não podemos ser hipócritas. Agora, o PS é que tem que dizer se está pronto para apoiar um futuro Governo do PSD.

É melhor o PSD apoiar um governo minoritário do PS ou formar governo com o apoio do Chega?
O ideal é o PSD ganhar as eleições e ter uma maioria absoluta. Mas digo-lhe que hoje em dia temos muito a ganhar com governos de coligação. O PSD deve olhar para a sua direita e eleger como principais parceiros o CDS e a Iniciativa Liberal. O Chega, se mantiver comportamentos como aqueles que tem tido, ou declarações como aquelas que tem feito, não faz sentido estar numa coligação com o PSD no Governo do país.

Nem dar apoio parlamentar?
Nem apoio parlamentar.

Exclui completamente o Chega das contas do PSD?
Eu não sou como alguns que acham que o Chega não tem lugar em Portugal. Se há portugueses que votam no Chega têm a mesma legitimidade que outros que, à extrema-esquerda, defendem coisas tão más ou piores que o próprio Chega. O PSD não tem que excluir ninguém do Parlamento, tem é que lhes ganhar votos. Se o PSD tiver muito mais votos, também é sinal de que o Chega teve menos. Não podemos é passar linhas vermelhas que não são condizentes com aquilo que é a doutrina do PSD, a ideologia do PSD, os princípios do PSD.

Nem uma negociação parlamentar com vista ao apoio a um governo PSD minoritário?
Por mim, estamos esclarecidos.

Rui Rio excluiu quase todos os apoiantes de Paulo Rangel das listas, incluindo Duarte Marques. Foi uma limpeza? Embora Rio tenha excluído ter existido “limpeza étnica”, e de facto não se trata de limpeza étnica, que é uma coisa bastante mais grave...
A forma como se diz às vezes as coisas pode ser mal interpretada. Eu quero esclarecer que fui excluído pela distrital do PSD de Santarém. O meu nome nunca chegou à mesa do dr. Rui Rio, tal como aconteceu há dois anos. Rui Rio também não me foi buscar e eu também não pedi para me virem buscar. Agora, a verdade é esta: alguns deputados, com alguma visibilidade e com algum trabalho feito, que preenchiam os critérios de Rui Rio, a competência e a lealdade, foram retirados. E há outros que foram retirados também – estou a lembrar-me de Luís Marques Guedes – que tinham representação da estrutura distrital, acumulavam isso com trabalho parlamentar de elevada qualidade, de grande frontalidade, de lealdade com o presidente do partido.

Numa entrevista que deu ao jornal “O Mirante” diz que teve períodos de grande desmotivação no Parlamento...
Para quem gosta de trabalhar e para quem faz questão de estar em exclusividade no Parlamento, às vezes é um bocado frustrante não termos oportunidade de fazer aquilo de que gostamos e ter intervenção em certas matérias. Eu estava muito activo na Comissão de Assuntos Europeus no mandato anterior, fazia a parte da Protecção Civil, refugiados e migrações e acumulava com as matérias do meu distrito na área da Saúde, da Economia e do Ambiente e fazia uma perninha na Educação, onde tratava sobretudo dos temas do Ensino Superior e da Ciência.

Neste mandato, fiquei muito confinado na Administração Interna, na Protecção Civil e questões de refugiados. Conseguimos fazer oposição a sério, descobrir muitos erros de Eduardo Cabrita. Mas, sim, houve um período de frustração, de sentir que não estava a contribuir para o papel do PSD no Parlamento. Se calhar a vítima desta frustração acabou por ser o ministro da Administração Interna, que levou comigo a tempo inteiro.

Ficámos a saber, através da CNN-Portugal, que militares da GNR foram acusados de torturar e humilhar imigrantes. Depois do que se passou no SEF, Portugal pode ter confiança nas suas polícias?
Claro que Portugal pode ter confiança nas suas polícias. Aquilo que se passou no SEF é uma coisa hedionda. No caso de Odemira, as consequências não são tão graves, mas são, do ponto de vista moral e ético, exactamente a mesma coisa. A provar-se que é verdade, aquela gente comporta-se pior do que animais. Já vi animais bem mais decentes. E não basta que aquelas pessoas sejam expulsas da GNR. Aquilo é um crime, tem que ser punido. O que interessa saber é se os superiores, quando se aperceberam daquela situação, agiram em conformidade. Dá-se a infeliz coincidência de o comandante-geral da GNR na altura ser o actual director nacional do SEF. É preciso saber se fez o que lhe competia. O homem não é irresponsável e não é directamente responsável pelos actos daqueles homens.

Infelizmente casos deste género têm acontecido demasiadas vezes nas nossas forças de segurança. Não é por acaso que uma das matérias que fechámos no final do mandato foi uma negociação com o Governo e o PS sobre as bodycams. Tanto condeno aqueles que tiram proveito de algumas manipulações de informação sobre questões de polícias como aqueles polícias que abusam do seu direito de usar a força. E o facto de passarem a usar bodycams nas suas fardas vai permitir proteger a verdade, acabar com as manipulações e punir os polícias quando abusarem ou defendê-los quando o uso da força foi legítimo.

Temos que defender as forças de segurança, mas não erradamente. Nem todos os agredidos são vítimas, nem todos os polícias são inocentes. E temos que ser muito mais exigentes com as forças de segurança porque têm um direito muito especial de usar a força e temos de garantir que só a usam em casos extremos.

Estamos a falar do Estado a assassinar e torturar pessoas. Isto não é aceitável em Portugal.
Não é aceitável em parte nenhuma do mundo e espera-se que aconteça menos em Portugal. Não podemos ser tolerantes com este tipo de coisas. Mas elas acontecem e eu diria que este não será caso único. Temos de ter mais qualidade no recrutamento que fazemos das forças de segurança. A formação que têm é boa, mas tem que lhes ser exigido mais. Obviamente que, em termos de condições remuneratórias, não podem ser tratados sem a dignidade que merecem.

Prefiro ter menos forças de segurança, menos homens e mulheres, melhor apetrechados, melhor formados e melhor remunerados do que ter muita gente a receber mal e sem condições. Isto só se muda com uma estratégia a médio e longo prazo, uma liderança forte, exemplar. Fico estupefacto quando há sindicatos que vêm defender polícias ou GNR que fizeram coisas inacreditáveis.

Também concorda que a sorte de João Rendeiro foi haver legislativas à porta?
O João Rendeiro foi preso e bem preso e tenho o maior respeito pela Polícia Judiciária. Obviamente que nós sabemos que a PJ não fez tudo sozinha. Agora, uma polícia que tenta credibilizar-se, lutar por mais meios, é normal que depois da frustração que foi o sistema judicial ter deixado fugir João Rendeiro nas suas barbas, imagino que tenham comemorado bastante e ficado contentes. E tenham feito valer cá fora o mérito das suas funções. Não acho nem um bocadinho que a declaração de Luís Neves tenha sido feita a pensar no proveito que poderia dar ao PS nestas eleições.

Então concorda que o líder do seu partido meteu a pata na poça quando disse que a sorte de João Rendeiro foi estarem as eleições à porta?
Foi um dito infeliz. O dr. Rui Rio usa demasiado o Twitter. Eu também já fui infeliz no Twitter várias vezes, já fiz vários disparates, acho que todos já fizemos. Às vezes [Rui Rio] tem ali o coração muito ao pé do teclado… e disse aquilo que acredito que não fosse exactamente o que queria dizer.

O que espera do Congresso do PSD? Os órgãos nacionais vão ser formados à imagem e semelhança do líder?
Se há momento em que o presidente tem o direito de escolher só aqueles com quem gosta de trabalhar é nos órgãos nacionais. Por exemplo, na Alemanha, na CDU, o executivo não é eleito numa lista única. Imagine aqui ter o dr. Paulo Rangel como secretário-geral do presidente do PSD… Na Alemanha já aconteceram coisas parecidas, é uma forma de garantir a diversidade.

Rui Rio já percebeu que a sua liderança é incontestada. Tendo em conta o que aconteceu nas listas de deputados, em que ficaram vários apoiantes de Paulo Rangel fora das listas – também não sou dos que dizem que foram todos excomungados, não é verdade... Mas no PSD se há uma estratégia que ganha, os que perderam resignam-se e limitam-se a seguir aquela estratégia. E depois há aqueles que acham que somos todos obrigados a pensar da mesma forma. Rui Rio neste congresso tem oportunidade de dar alguns sinais…

E acha que o vai fazer?
Não tenho dúvidas de que o vai fazer. Este congresso terá dois grandes objectivos. O primeiro é limpar um bocadinho aquela asneira que se fez nas listas – ou a forma como foi feita. Unir o partido, de facto. E depois apresentar uma alternativa ao país e ao PS. E aí é o caminho mais fácil de Rui Rio.

O PSD é um partido naturalmente reformista. Rui Rio é um homem de trabalho, é um homem de acção. O PSD gosta de reformar, de fazer coisas concretas. O país já viu que com o PS vamos andar aqui a gerir o imediato, com uns truques de algibeira. O PSD é mais pão-pão-queijo-queijo e Rui Rio é um bocadinho isso, é mais pão-pão-queijo-queijo. Este congresso é o momento certo para revelar isso, a estratégia e as ideias.

E o PSD e Rui Rio têm condições para ganhar as legislativas?
Uma pessoa que está à frente do PSD é um bocadinho como o Benfica. Mário Wilson dizia muitas vezes que um treinador do Benfica arrisca-se a ser campeão. Um presidente do PSD tem que estar sempre preparado para ser primeiro-ministro. O PSD vai ganhar as eleições, espero que ganhe já estas. Rui Rio está mais do que preparado para ser primeiro-ministro, tem uma equipa forte, tem ideias, tem reflexão feita nos últimos anos e agora tem é que perceber que a força do PSD é a sua diversidade.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários