Morreu Lina Wertmüller, a primeira mulher a ser nomeada para um Óscar de realização (e muito mais)

A realizadora de Pasqualino das Sete Beldades tinha 93 anos.

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Lina Wertmüller tornou-se, graças a "Pasqualino das Sete Beldades", a primeira mulher a ser nomeada para um Óscar de Melhor Realização Wiki commons

Realizadora e argumentista de comédias políticas com sexo à mistura que teve o seu auge na década de 1970, Lina Wertmüller morreu esta quinta-feira, em Roma, aos 93 anos. Em 1976, a italiana tornou-se, graças a Pasqualino das Sete Beldades, a primeira mulher a ser nomeada para um Óscar de Melhor Realização (a segunda, Jane Campion, só viria no início dos anos 1990 e a primeira mulher a ganhar, Kathryn Bigelow, só em 2009). Uma estatueta propriamente dita chegaria à realizadora em 2019, ano em que ganhou um Óscar honorário.

Um sucesso internacional em que um napolitano obcecado com “honra” fazia uma sucessão de más escolhas que o levavam a ser prisioneiro de guerra dos nazis, o filme marcou uma das várias colaborações de Wertmüller com o seu actor de eleição, Giancarlo Giannini. A realizadora, que se descrevia a ela própria como socialista e feminista, utilizava Giannini frequentemente como siciliano, um símbolo do sul global e de todo o tipo de classes oprimidas. Outros filmes de ambos incluem Ferido na Honra, de 1972, com muito de gozo com a masculinidade tóxica, Filme de Amor e Anarquia, de 1973, ou ainda o célebre e polémico Insólito Destino, de 1974 (que serviu de base para um desastroso remake de Guy Ritchie com Madonna em 2002), todos também com a actriz Mariangela Melato.

No fim dessa década, Wertmüller era uma figura mundialmente reconhecida, pelo seu trabalho e os seus característicos óculos brancos, e alvo de imitações em programas como Saturday Night Live. Fazia filmes vistos como pessimistas (ela via-os mais como sinais de alarme), que escolhiam como alvos de riso e impedimentos das suas personagens de fazerem boas escolhas a autoridade, a complacência, o facilitismo, o fascismo (Mussolini era uma figura recorrente no seu cinema), a máfia ou o nazismo. Em 1978, realizou uma co-produção americana falada em inglês, com Giannini e Candice Bergen. Foi um flop. Voltou a trabalhar em Itália e continuou activa, se bem que com muito menos projecção, até 2004, ano do seu derradeiro filme para cinema, Peperoni ripieni e pesci in faccia (ainda trabalhou em televisão e como encenadora em teatro depois).

Colaboração com Fellini

Nascida, em 1928, no seio de uma família aristocrática suíça com o nome completo Arcangela Felice Assunta Wertmüller von Elgg Spanol von Brauchich, estudou na Academia de Teatro de Roma e tornou-se marionetista. No início dos anos 1960, conheceu, através da amiga Flora Carabella, na altura casada com Marcello Mastroianni, o realizador. Federico Fellini. Começou a trabalhar com ele, tendo a tarefa de encontrar caras estranhas para o cineasta. Foi assistente de realização de Fellini 8½, em 1963.

Influenciada pelo mentor, só que com menos tendência para a autobiografia, Wertmüller estreou-se como argumentista e realizadora nesse mesmo ano, com Os Inactivos. Anos depois, em entrevista a Peter Biskind, a realizadora falava da importância do riso, algo para ela fundamental, e da forma como a seriedade “separava as pessoas da política”. “Eu costumava fazer filmes sérios de ‘arte-ensaio’. O meu primeiro filme (...) foi muito bem-amado pela crítica. Ganhou muitos prémios, mas só os intelectuais é que o foram ver. Levei isto a peito. Percebi que não podia trabalhar dessa forma, que era impossível para um temperamento como o meu. (...) Nasci burguesa, mas sei para onde é que o meu trabalho vai, o meu interesse, os meus afectos e moções, para o povo. Por isso abracei o cinema popular.”

Foi casada, até à data da morte dele, em 2008, com o director de arte Enrico Job. Tinham uma filha.

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