Kathryn Bigelow: Óscar para a mulher que filma machos alfa

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O primeiro êxito internacional de Bigelow foi "Ruptura Explosiva", de 1991 Gary Hershorn/Reuters

Na véspera do Dia Internacional da Mulher, Kathryn Bigelow subiu ao palco do Kodak Theater, em Los Angeles, e fez aquilo que nunca nenhuma outra tinha feito: aceitou o Óscar de Melhor Realizador. Bigelow, que conta apenas com oito filmes no currículo, é elegante e discreta, mas os seus filmes pouco bebem destas suas características: a cineasta prefere rodar em ambientes masculinos, injectados com adrenalina e testosterona.

Apesar de já ter conquistado o seu lugar na história dos Óscares, a realizadora escovou de cima a etiqueta feminista: “Considero as mulheres fortes fascinantes, mas sou igualmente inspirada por homens”, disse a cineasta. “Não olho para estas coisas em termos de género. Deve ser estranho ouvirem-me dizer isso, mas simplesmente não o faço”, cita a BBC.

A mera circunstância de um filme seu estar nomeado para os principais prémios da indústria cinematográfica norte-americana era já surpreendente. Os seus anteriores trabalhos - entre os quais se destacaram “Ruptura Explosiva” e “K-19” - contornaram sem mágoa as temporadas de prémios. Mas alguma coisa mudou com “Estado de Guerra”. O filme de baixo orçamento - tanto quando poderemos chamar de “baixo orçamento” a um filme cuja produção se cifrou nos 15 milhões de dólares - acabou por conquistar críticos em todo o mundo.

A película conta a história de uma brigada de desarmamento de minas no Iraque e acompanha um militar que tem uma forma especial de lidar com o stress de guerra. O filme conta com um punhado de actores desconhecidos e nem sequer foi um êxito de bilheteira - 13 milhões de dólares nos Estados Unidos -, mas a sua natureza independente e a mestria de Bigelow a captar as acções dos machos alfa em sequências de acção brutalmente credíveis acabou por fazer com que o filme ganhasse “Oscar buzz”.

A confirmação chegou quando “Estado de Guerra” se transformou no grande vencedor dos Bafta - Melhor Filme, Realizador, Argumento Original, Montagem, Fotografia e Som.

Imparável, o filme desembocou na subida de uma tímida Bigelow ao palco de Hollywood: “Não há maneira de descrever isto - é o momento de uma vida”. Conhecida pela sua “ambiguidade moral”, preferindo não fazer julgamentos de valor acerca dos “combates” que filma, a cineasta dedicou, porém, o prémio “às mulheres e homens do Exército que arriscam as suas vidas diariamente”. “Que regressem a casa sãos e salvos”, acrescentou.

O poder da acção

Bigelow nasceu em 1951 - tem 58 anos - em San Carlos, na Califórnia. O pai geria uma fábrica de tintas e a mãe era bibliotecária. Em criança, a realizadora recorda-se de ser penosamente tímida, refugiando-se por isso nas artes, sobretudo na pintura.

Na adolescência frequentou o Instituto Artístico de São Francisco e, gradualmente, começou a aproximar-se do cinema, mudando-se então para Nova Iorque, encetando os estudos de crítica de cinema, sob a direcção da falecida escritora Susan Sontag na Universidade de Columbia.

“A pintura é mais elitista, ao passo que os filmes cruzam culturas e classes”, disse Bigelow ao “Los Angeles Times” em 2002, explicando assim a sua decisão de mudar de área. De qualquer forma, o seu à-vontade no campo das artes visuais continua a fazer-se notar na fotografia e composição de imagem dos seus filmes.

Os seus primeiros filmes foram variando de género - oscilando entre o drama, o romance e o “thriller” - mas a componente determinante da sua filmografia já lá estava: a acção.

“O cinema tem a capacidade de ser tão fisiológico”, disse ela um dia, citada pela BBC. “Pode definitivamente projectar-nos para um evento e fazer com que o nosso coração acelere... Se essa for a resposta desejada”.

O seu primeiro grande êxito internacional acontece com “Ruptura Explosiva” (1991), no qual Keanu Reeves interpreta o papel de um agente do FBI que tenta deter um “gang” que se dedica a assaltar bancos, liderado pelo falecido Patrick Swayze. Em pano de fundo: o imaginário surfista. O filme acabou por se tornar num êxito de bilheteiras, arrecadando cem milhões de dólares.

Antes disso tinha ainda dirigido o filme razoavelmente conhecido “Blue Steel”, com Jamie Lee Curtis, que interpretava o papel de uma polícia durona.

Talvez este fraquinho pela acção fosse evidente: afinal de contas Bigelow subiu o Kilimanjaro, pratica mergulho e foi casada com James Cameron (entre 1989 e 1991), um dos mais activos realizadores de Hollywood. Hoje permanecem bons amigos e as palavras de louvor mútuas trocadas ontem à entrada do Kodak Theater - ambos disputavam o Óscar de Melhor Realizador - são boa prova disso.

Depois de “Ruptura Explosiva”, Bigelow foi fazendo alguma televisão e só voltou a ser falada internacionalmente com o seu filme de acção de 2002 “K-19” (depois do “flop” “Strange Days”, de 1995), outro falhanço nos EUA, que contava a história de um grupo de homens fechados num submarino nuclear soviético.

De “K-19” até agora não tinha realizado mais nenhum filme, mas o ano de 2008 levou a cineasta até à Jordânia, onde foram filmados os exteriores do “Estado de Guerra”.

O filme acabou por conquistar ontem à noite um total de seis estatuetas e derrotar o colosso da temporada: “Avatar”, a epopeia 3D do ex-marido.

Numa recente entrevista ao programa “60 Minutes”, da CBS, questionada sobre a razão da temática do filme, Bigelow explicou que a sua intenção foi dar um “rosto humano” à violência que grassa em cenários de guerra e retratar o dia-a-dia de homens e mulheres que vão voluntariamente desarmar bombas para locais dos quais o resto do mundo fugiria.

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