A actual crise não tem origem em questões financeiras ou orçamentais?

As finanças do país estão mais saudáveis do que quando se deu a última crise política, mas no centro do impasse político esteve o Orçamento.

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João Leão, ministro das Finanças Nuno Ferreira Santos

A frase

“A crise política começou com uma não aprovação de um orçamento, mas não teve a ver com dificuldades orçamentais, nem as questões que estavam em cima da mesa resultavam do que estava associado a um orçamento”

João Leão, ministro das Finanças, na abertura da Money Conference

O contexto

Oito dias após o chumbo do Orçamento do Estado (OE) para 2022, que redundou na marcação de eleições para 30 de Janeiro, o ministro das Finanças fez uma intervenção na abertura da Money Conference, organizada pela Global Media. Na presença dos principais presidentes executivos dos bancos portugueses, João Leão quis passar a mensagem de que o actual impasse político não se devia a questões financeiras — "Em 2020, quando chegámos a esta crise, tínhamos um sector bancário mais robusto, com capacidade de acomodar o impacto da crise na liquidez das famílias e das empresas” — ​nem orçamentais — “as questões que estavam em cima da mesa não resultavam do que estava associado a um orçamento”. O ministro acabou por dizer: “Esta crise política distingue-se de muitas anteriores por não ter uma origem em questões financeiras ou orçamentais. Foi uma crise que tem uma origem numa questão política.”

Os factos

A “questão política” a que o ministro se refere é justamente o OE. O que ministro dá a entender é que o documento foi chumbado por questões que não podiam ser resolvidas pelo Orçamento. Em entrevista do DN, o comunista Vasco Cardoso deixou claro que "numa fase já muito derradeira desta discussão” foram colocadas “três questões em cima da mesa (...): salário mínimo nacional (SMN), caducidade da contratação colectiva e medidas urgentes que são necessárias para o SNS”. Ora, se as leis trabalho são votadas fora do OE e o SMN é fixado por portaria do Governo e normalmente discutido na concertação social, o espaço de discussão das medidas para o SNS é o OE. No caso do Bloco, a situação é idêntica. “Havia questões orçamentais mesmo nas propostas laborais (como era visível no pagamento das horas extraordinárias), particularmente visível nas questões relativas ao SNS (pagamento da valorização das carreiras e da dedicação exclusiva) e nas pensões (valorização das pensões pela eliminação do factor de sustentabilidade)”, disse ao PÚBLICO Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do Bloco.​

Em resumo

Há duas ideias a reter. O país não estava, neste momento, a enfrentar uma crise financeira, nem tinha problemas de défice orçamental. Essa leitura é correcta. Contudo, a “questão política" sinalizada pelo ministro não existiria se não houvesse divergências entre o Governo e os partidos que poderiam viabilizar o OE relativamente ao que estava dentro (e também fora) desse OE. Atendendo às duas leituras possíveis, a declaração é considerada parcialmente verdadeira.

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